Uma empresa apoiada por órgãos governamentais locais na província de Xinjiang, no extremo oeste da China, desenvolveu um aplicativo de encontros com o objetivo de unir mulheres uigures solteiras e homens chineses “han”, o grupo étnico majoritário no país, de acordo com fontes.
A plataforma, que tem levantado preocupações entre especialistas sobre as dinâmicas interétnicas, veio à tona através de uma publicação recente de uma mulher uigur publicado nas redes sociais. Em um vídeo, ela questiona se existem solteiros dispostos a se deslocar até a região para estabelecer famílias com pessoas de diferentes etnias, mostrou reportagem da rede Radio Free Asia (RFA).
Chamado “Matchmaking“, o app cobra uma taxa de 15 yuans (cerca de R$ 10) para disponibilizar informações sobre mulheres uigures interessadas em formalizar união com indivíduos oriundos das províncias do interior da China.
Estudiosos e ativistas veem essas ações como tentativas deliberadas de assimilação cultural dos uigures, que são predominantemente muçulmanos e possuem uma língua, cultura, costumes e comida distintos.
O aplicativo representa mais uma iniciativa da China para reduzir ou assimilar a população muçulmana em Xinjiang, conforme destacado por Adrian Zenz, diretor de Estudos da China no Memorial das Vítimas do Comunismo, com sede nos EUA, que dedicou anos à documentação das violações de direitos humanos cometidas pela China contra os uigures.
Ele aponta que há uma falta de homens uigures disponíveis, uma vez que as autoridades detiveram muitos deles em campos ou prisões por vários anos, resultando na necessidade de substituí-los por chineses han.
Registrada em Urumqi, capital da Região Autônoma Uigur de Xinjiang, a empresa por trás do aplicativo foi estabelecida em dezembro de 2019. Não há clareza sobre a data de lançamento da plataforma de encontros.
Os desenvolvedores afirmaram à RFA que seu principal objetivo é “facilitar casamentos entre mulheres uigures e pessoas das províncias do interior da China”. Segundo a empresa, sua missão está estritamente relacionada a esse propósito, sem outras considerações.
União forçada
Casamentos entre uigures e chineses han têm aumentado desde 2018 devido à promoção estatal, incluindo casos de casamento forçado, conforme relatório de novembro de 2022 da ONG Uyghur Human Rights Project, sediada em Washington.
O estudo, intitulado “Casamento Forçado de Mulheres Uigures: Políticas Estatais para Casamentos Interétnicos no Turquestão Oriental” (termo usado pelos uigures para sua terra natal), afirma que Beijing está conduzindo uma campanha para forçar a assimilação dos uigures na sociedade chinesa Han por meio de casamentos mistos.
“As políticas governamentais que incentivam e coagem o casamento misto e outros abusos baseados no gênero apenas promovem o genocídio e os crimes contra a humanidade em curso cometidos no Turquestão Oriental”, afirma o relatório.
Repressão de gênero
As mulheres uigures enfrentam uma situação particularmente desafiadora no contexto da repressão chinesa em Xinjiang. Relatos e documentações indicam que elas estão sujeitas a violações generalizadas dos direitos humanos, incluindo detenções arbitrárias, vigilância intensiva, restrições à liberdade religiosa e cultural, além de relatos de casamentos forçados e esterilização forçada.
Os campos de detenção em massa, onde muitos uigures são mantidos, também têm impacto significativo nas mulheres, expondo-as a abusos físicos e psicológicos.
A repressão sistemática do governo chinês afeta drasticamente a vida cotidiana e os direitos fundamentais das mulheres uigures, gerando preocupações generalizadas sobre violações dos direitos humanos e repressão de gênero.
Por que isso importa?
A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.
Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.
Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.
O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.
A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.