Relatório acusa Unesco de cumplicidade no ataque ao patrimônio cultural uigur

Agência da ONU é acusada de apoiar a limpeza cultural dos uigures na China por organização que defende os direitos de povos de origem turcomena

Um relatório divulgado na semana passada pela Uyghur Human Rights Project (UHRP), organização que promove os direitos dos uigures e outros povos muçulmanos turcomanos, instou a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e seus membros a parar de apoiar a limpeza cultural da minoria étnica na China. As informações são da rede VOA News (Voice of America).

A Unesco reconhece Beijing como protetora do patrimônio dos povos uigur, cazaque e quirguiz. Porém, o estudo da UHRP, intitulado “A cumplicidade do patrimônio: patrimônio cultural e genocídio na região uigur”, sustenta que as ações do governo chinês na região autônoma de Xinjiang “constituem o que a agência das Nações Unidas chama de “limpeza cultural estratégica”.

Sendo assim, a Unesco estaria violando seus próprios padrões ao deixar de reconhecer as ações da China contra esses povos na região, que incluem métodos contemporâneos de escravidão, como apontou um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado em agosto.  

Fazendeiros uigures da região de Xinjiang, na China (Foto: WikiCommons)

O relatório da UHRP se debruçou sobre cinco aspectos da herança uigure, incluindo música, história oral e narrativa, todos reconhecidos pela Unesco. A partir dessa análise, detalhou como a China usou tais práticas culturais para promover revisionismo histórico e, a partir dessa nova perspectiva, obter lucro econômico e controle do governo.

Segundo o estudo, que tem como coautora a professora de cultura uigur na University College London, Rachel Harris, há leniência da Unesco diante das práticas do governo chinês em Xinjiang, que incluem “destruir o patrimônio construído, dessacralizar as tradições religiosas e criminalizar as práticas culturais de base, enquanto usa sua encenação para promover as narrativas políticas escolhidas pela China”.

O relatório responsabiliza Beijing pela destruição de vastas faixas de patrimônio arquitetônico, incluindo mesquitas – as autoridades chinesas alegam que as cúpulas evidenciam a influência religiosa estrangeira e, dessa forma, vão contra os ideais nacionalistas do Partido Comunista Chinês (PCC) –, santuários e cemitérios.

Além disso, acusa o regime de Xi Jinping de arruinar livros em língua uigure e restringir o uso do uigur e outros dialetos turcos indígenas, bem como aprisionar milhares de uigures e lideranças intelectuais e culturais cazaque e quirguiz.

“Conforme reconhecido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), a desapropriação e destruição do patrimônio cultural é frequentemente um precursor de atos de genocídio”, disse Rachel.

Para a estudiosa, ataques ao patrimônio cultural, de edifícios sagrados a costumes comunitários, estão intrinsecamente ligados a ataques diretos e pessoais a seres humanos. “Eles são uma forma de guerra cultural destinada a apagar um povo e sua identidade”.

Segundo o coautor e pesquisador britânico Aziz Isa Alkun, o relatório fornece detalhes específicos sobre a violação da China dos padrões de proteção do patrimônio da Unesco na região.

“Os herdeiros culturais são despojados e presos enquanto suas histórias são reescritas e os benefícios econômicos de sua herança fluem de volta para a China central”, disse Alcuin. “Os Estados-partes da Convenção do Patrimônio da Unesco devem instar investigações urgentes sobre as violações detalhadas neste relatório”, disse.

Beijing nega repetidamente as acusações, e alega que medidas tomadas na região têm como objetivo combater o extremismo, o terrorismo e o separatismo.

“Deixamos clara nossa posição sobre questões relacionadas a Xinjiang em várias ocasiões”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, durante uma entrevista coletiva nesta semana. “A chamada ‘violação’ ou ‘repressão’ dos direitos humanos é a mentira do século propagada pelas forças anti-China e há muito tempo foi desmascarada pelos fatos”.

De acordo com um porta-voz da Unesco, quando a agência recebe um relatório da sociedade civil, a informação é compartilhada com os Estados-Membros envolvidos para obter uma resposta.

“Acabamos de receber este relatório e estamos revisando-o, como fazemos com todos os relatórios enviados pela sociedade civil e ONGs”, disse o porta-voz.

Por que isso importa?

A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.

O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.

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