Com manifestantes “credenciados”, polícia monitora primeiro protesto em Hong Kong desde 2020

Cerca de 100 manifestantes marcharam no domingo através de um cordão de isolamento, que os manteve separados da imprensa

Sob rígido monitoramento policial, Hong Kong teve no domingo (26) o primeiro protesto em dois anos. Marcada por restrições, a pequena manifestação foi a “inaugural” desde que a China impôs amplas restrições aos direitos e liberdades à população do território semiautônomo. As informações são do site independente Hong Kong Free Press.

Apenas 100 pessoas foram autorizadas a participar do ato, contrário a um plano de recuperação de terras no leste da cidade. Os manifestantes foram obrigados a usar crachás com números e seus cartazes de protesto passaram previamente pelo filtro das autoridades. Nenhum estava autorizado a usar máscara. Todos foram impedidos de usar roupa toda preta ou capa de chuva amarela.

Manifestante segura cartaz que adapta bandeira da China com símbolo da suástica usado por nazistas em protesto em Hong Kong, outubro de 2019 (Foto: CreativeCommons/Etan Liam)

A polícia exigiu que os organizadores seguissem condições rigorosas. Os manifestantes foram cercados com um cordão de isolamento, que os deixou separados da imprensa. Entre as permissões concedidas pelas forças policiais, os integrantes do ato puderam entoar palavras de ordem contra o projeto. No entanto, slogans com “palavras politicamente sensíveis ou sediciosas” foram proibidas.

Um manifestante falou à agência AFP sob condição de anonimato. Ele definiu as condições impostas como “ridículas”: “Estou aqui para participar de uma marcha, não de um desfile de vergonha”, disse ele, que acrescentou:

“Isso é intimidação, mas o que podemos fazer? Agora, até mesmo tentar respirar ar fresco pode colocar em risco a segurança nacional”, criticou, fazendo menção à lei de segurança nacional imposta pela Beijing em 2020 como uma reação direta às manifestações de 2019. A lei aprovada pelo Congresso da China aumentou o controle chinês sobre a ex-colônia britânica e foi criada para suprimir qualquer ato do gênero.

Eventos públicos de grande escala – incluindo festivais de música e exposições de arte – estão voltando a Hong Kong depois que as restrições à pandemia de Covid-19 foram suspensas. Neste contexto, o território sedia a feira de arte contemporânea Art Basel, com autoridades interessadas em promover a cidade como um “centro cultural vibrante”. Não que o governo local entenda o significado de liberdade artística.

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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