O movimento nacional Democracia Sem Fronteiras (DSF), criado no Brasil em 2019, passou a cobrar do governo federal a adesão ao boicote diplomático aos Jogos de Inverno Beijing 2022. Encabeçada pelos Estados Unidos, a ação consiste em não enviar representantes estatais ao evento, como é praxe em Jogos Olímpicos e outras competições esportivas, como a Copa do Mundo de futebol.
Gabrielle Machado, integrante do movimento, diz que a principal motivação do DSF para pedir o boicote é a situação da minoria étnica dos uigures na província chinesa de Xinjiang. “O movimento Democracia Sem Fronteiras defende que o Brasil, como precursor na defesa dos direitos humanos, deve apoiar o boicote diplomático os Jogos de Inverno Beijing 2022, em um gesto de reprovação às detenção em massa, à tortura e ao trabalho forçado contra os uigures”, disse ela em conversa com A Referência.
A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas vista com desconfiança pela etnia majoritária han, que responde por 92% da população chinesa. Os uigures são cerca de 11 milhões e enfrentam discriminação da sociedade e do governo chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang. Estimativas apontam que um em cada 20 uigures, ou cidadãos de outras minorias étnicas, já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.
“O genocídio contra os povos uigures já vem sendo denunciado pelo movimento Democracia Sem Fronteiras, mesmo antes do boicote diplomático norte-americano aos jogos de inverno”, diz Gabrielle. “O movimento Democracia Sem Fronteira, desde 2019, vem lutando contra contra governos ditatoriais e violações dos direitos humanos ao redor do mundo. Desse modo, não poderia ser diferente em relação ao boicote diplomático aos Jogos de Inverno Beijing 2022″.
No último dia 4 de janeiro, aproveitando a marca de um mês para o início dos Jogos, diversos protestos ocorreram em várias partes do mundo. Os manifestantes usaram a internet e foram às ruas para contestar a realização do evento esportivo, com base nas acusações de abusos dos direitos humanos que pesam contra a China. O DSF aderiu ao protesto coletivo e levou faixas à Esplanada dos Ministérios para cobrar do governo a adesão ao boicote.
Durante a manifestação da semana passada, integrantes do DSF exibiram faixas com frases como “Bolsonaro, o Brasil precisa boicotar os Jogos Olímpicos na China” e “Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, o Brasil precisa boicotar os Jogos Olímpicos na China”. Elas foram exibidas em português e em inglês em frente ao Palácio do Planalto e ao Congresso Nacional.
Segundo Gabrielle, por trás do protesto existe também um aspecto comercial. “A forma como a China lida com as exportações do Brasil é maléfica, porque os produtores rurais ficam reféns dos preços pré-estabelecidos pela China, e acaba não existindo poder de barganha para o produtor brasileiro”, diz ela. “O Brasil precisa se posicionar de forma firme em relação às atitudes do governo chinês, seja em relação às violações de direitos do seu povo, seja em relação à economia externa existente entre os dois países”.
A relação comercial entre os dois países é justamente uma das razões levantadas para justificar o fato de o Brasil não ter aderido ao boicote diplomático. A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil. Segundo o Ministério da Economia, no primeiro trimestre de 2021, em comparação com o mesmo período de 2020, a corrente de comércio entre os países cresceu 19,5%, e as exportações brasileiras para a China aumentaram 28%.
Para o DSF, a relação interessa bastante à China, e isso basta para espantar o temor de eventuais sanções a serem impostas por Beijing em caso de boicote diplomático brasileiro. “O movimento Democracia Sem Fronteiras não acredita em sanções econômicas significativas por parte do governo chinês, isso porque, ao contrário do que muitas pessoas pensam, a China também precisa economicamente do mercado brasileiro, existindo uma codepedência entre os dois países”, diz Gabrielle.
O boicote diplomático
Diversos governos aderiram ao boicote diplomático aos Jogos de Inverno Beijing 2022, com início marcado para o dia 4 de fevereiro. Assim, não enviarão representantes estatais ao evento, mas os atletas podem competir normalmente. A medida visa somente a ferir o orgulho do país-sede, algo particularmente relevante para Beijing. Saiba quem aderiu ao boicote.
NA EUROPA
Lituânia
Envolta em uma crise diplomática com a China após a abertura de uma embaixada de fato de Taiwan em seu território, a Lituânia foi o primeiro país do mundo a anunciar um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno. O presidente Gitanas Nauseda confirmou que nem ele nem nenhum ministro do governo irá prestigiar os Jogos.
Bélgica
Conforme o primeiro-ministro belga Alexander De Croo afirmou aos parlamentares de seu país no dia 18 de dezembro, “o governo federal não enviará representação aos Jogos”.
O resto da União Europeia
Vários Estados-Membros ainda não se pronunciaram, argumentando que aguardam uma tomada de decisão em comum acordo da União Europeia (UE).
Na França, o discurso é contraditório. O Ministério da Educação, Juventude e Esportes declarou à imprensa que “o esporte é um mundo em si que deve ser preservado tanto quanto possível da interferência política”, confirmando a presença de algumas autoridades. Do outro lado, o ministro das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, afirmou que Paris é “a favor da posição comum” e que “esta questão deve ser tratada como a Europa”.
A Alemanha deu justificativa semelhante à maioria que não bateu o martelo sobre o assunto, argumentando que “a decisão deve ser tomada em harmonia com nossos amigos europeus”.
Apesar da declarada predileção por uma posição afinada, vários líderes duvidam da capacidade do bloco de chegar a uma decisão conjunta e até mesmo da utilidade de um boicote Caso do primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean Asselborn, que afirmou que “os Jogos Olímpicos são sempre políticos, não há Jogos Olímpicos politicamente neutros”.
Reino Unido
O premiê britânico Boris Johnson anunciou o boicote no dia 8 de dezembro. “Haverá efetivamente um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno em Beijing”, declarou ele, acrescentando que “o governo não hesita em levantar essas questões com a China, como fiz com o presidente Xi na última vez em que falei com ele”.
NAS AMÉRICAS
O primeiro país a anunciar o boicote foi os Estados Unidos, decisão que se escorou sobretudo nas acusações de genocídio que pesam contra Beijing na região de Xinjiang, devido ao tratamento dispensado pelo país à minoria étnica dos uigures.
O Canadá seguiu o exemplo. O primeiro-ministro Justin Trudeau se justificou: “Nos últimos anos, temos sido muito claros sobre nossas profundas preocupações em relação às violações dos direitos humanos“.
NA ÁSIA
O Japão não enviará uma delegação de ministros aos Jogos, mas preferiu não chamar o gesto de boicote, como explicou o secretário-chefe de gabinete Hirokazu Matsuno à imprensa: “Não usamos um termo específico para descrever como comparecemos”.
Já o premiê Fumio Kishida, que fez dos direitos humanos a principal bandeira de sua diplomacia ao criar um cargo consultivo especial para lidar com a questão, disse que espera estabelecer uma relação construtiva com os vizinhos. “O Japão acredita que é importante para a China garantir os valores universais de liberdade, respeito pelos direitos humanos básicos e o Estado de Direito, que são valores universais na comunidade internacional”, disse Matsuno.
NA OCEANIA
A Austrália foi o primeiro país a seguir o passo de Washington, anunciando o boicote em 8 de dezembro. O primeiro-ministro Scott Morrison usou o mesmo argumento dos abusos dos direitos humanos, mas citou ainda as recentes sanções impostas por Beijing a Camberra. A relação bilateral entre as nações está desgastada, e o embaixador da China em Camberra, Cheng Jingye, anunciou em outubro que deixaria o posto ao fim do mandato.
A Nova Zelândia apoiou Canberra na decisão, justificando que era “a coisa certa a fazer”. No entanto, as autoridades locais enfatizaram que “houve uma série de fatores, mas principalmente a ver com Covid-19”.