Hong Kong prende homem que importou cópias de livros infantis proibidos

Acusado carregava 18 exemplares de série que, segundo o governo, remete aos protestos por democracia no território

O governo de Hong Kong continua sua cruzada autoritária contra a série de livros infantis Sheep Village (A Vila das Ovelhas, sem edição em português). Kurt Leung, de 38 anos, foi preso e acusado de sedição após importar 18 exemplares da coleção, que segundo as autoridades locais faz referência aos protestos por democracia de 2019. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

Formalmente, Leung foi acusado de “posse de publicações sediciosas” por ter comprado os exemplares no Reino Unido e tê-los recebido em Hong Kong. Uma busca foi organizada pelas autoridades para deter o homem e apreender o material. O juiz responsável por uma audiência preliminar no dia 6 de setembro negou o pedido de fiança e manteve o réu preso.

Os livros relatam conflitos entre lobos e ovelhas, sendo que o governo enxerga nessa relação uma alusão ao controle imposto por Beijing sobre Hong Kong, que a China considera parte de seu território. Em um dos livros, voltados a crianças entre quatro e sete anos de idade, os lobos tentam dominar a aldeia e comer as ovelhas, que em outro volume são forçadas a sair do local onde vivem.

Página de um dos livros infantis da série Sheep Village, de Hong Kong (Foto: Sindicato dos Fonoaudiólogos de Hong Kong)
Autores condenados

Em setembro do ano passado, a Justiça de Hong Kong anunciou uma sentença de 19 meses de prisão contra cinco fonoaudiólogos co-autores dos livros.

A acusação contra Leung é a mesma que pesa contra os fonoaudiólogos e se baseia em crime não previsto na lei de segurança nacional imposta pela China em 2020, em reação direta aos protestos pró-democracia. Porém, tribunais locais têm usado os poderes conferidos pela lei para aplicar normas da era colonial que previam a sedição.

No caso de Leung, a Justiça alega que ele importou os livros sob “o propósito específico” de incitar o ódio ou “provocar rebelião” contra os governos de Hong Kong e da China e para “incitar outros à violência.”

A prisão levou a uma reação da ONG Anistia Internacional. “As liberdades das pessoas foram prejudicadas em Hong Kong desde a introdução da lei de segurança nacional em 2020. Mas, mesmo nesse contexto, isto parece ser mais um novo ponto baixo para os direitos humanos na cidade”, disse a vice-diretora regional do grupo, Hana Young.

A ativista chamou de “ridículas” as acusações contra Leung e pediu que sejam retiradas pelas autoridades de Hong Kong. “Ninguém deveria ser preso apenas porque possui livros infantis”, afirmou. “É o exemplo mais recente de que as autoridades de Hong Kong usaram a lei de sedição da era colonial como pretexto para reprimir vozes críticas.”

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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