Os celulares modelo Mi 10T 5G, da empresa chinesa Xiaomi, são capazes de coletar dados pessoais contidos no aparelho e enviá-los para Beijing sem a autorização do usuário, bem como de censurar as buscas feitas na internet. A revelação foi feita na quinta-feira (13) pela NCC (Comissão Nacional de Comunicações), órgão que regula o setor de comunicações em Taiwan.
Os testes da entidade mostraram que um programa, o MiAdBlacklistConfig, pode ser baixado sem que o usuário tome conhecimento, através de sete aplicativos nativos do smartphone. “Ele (o programa) tem como alvo uma longa lista de termos politicamente sensíveis e pode bloquear o acesso dos smartphones a links para sites relacionados. Esses aplicativos também podem transmitir o histórico da Web dos usuários para servidores em Beijing”, disse a NCC.
O software pode detectar e bloquear termos como “Tibete Livre”, “independência de Taiwan” e “mídia independente em Hong Kong”, bem como expressões relacionados ao Massacre da Praça da Paz Celestial, além de muitas outras
A NCC entrou em contato com a Xiaomi. Na resposta, a empresa afirmou que os smartphones do referido modelo vendidos em Taiwan são diferentes dos da Europa, garantindo que os dispositivos taiwaneses não monitoram ou censuram as comunicações dos usuários, nem restringem as pesquisas na Internet.
Segundo a empresa, o MiAdBlacklistConfig gerencia anúncios pagos e protege o usuário de conteúdo impróprio, como discurso de ódio ou representações de violência, sexo e informações que possam ser ofensivas. A Xiaomi disse, ainda, que o software é amplamente usado por empresas de smartphones e plataformas de mídia social, citando Facebook e Google.
“A julgar pelos resultados dos testes, continuaremos nossas investigações para determinar se a Xiaomi Taiwan comprometeu os interesses dos usuários taiwaneses ao invadir sua privacidade. Informaremos as agências relevantes se a empresa violar os regulamentos aplicados por outras autoridades administrativas”, disse a comissão.
Quem primeiro analisou os aparelhos, em outubro do ano passado, foi o think tank Centro de Tecnologia das Telecomunicações, vinculado à Comissão. A entidade havia sido alertada pelo governo da Lituânia, país que tem ampliado as relações diplomáticas com Taipé nos últimos meses, despertando assim a fúria da China.
No ano passado, o Ministério da Defesa Nacional da Lituânia aconselhou os cidadãos lituanos a evitarem telefones celulares chineses, pedindo que inclusive descartassem os aparelhos, se possível.
Por que isso importa?
É crescente a desconfiança global em relação à vigilância tecnológica por parte do governo da China. A desconfiança tem aumentado nos últimos meses devido à construção das redes 5G em todo o mundo, sendo as empresas chinesas as maiores fornecedoras globais de infraestrutura do gênero.
A Huawei, líder do setor, foi inclusive proibida de fornecer infraestrutura nas redes 5G de diversos países, justamente pelo temor de que seja usada para espionar os governos locais a favor da China. Austrália, Nova Zelândia, Portugal, Índia, Estados Unidos e Reino Unido já baniram a fabricante em suas futuras redes
Informações obtidas pelo jornal The Washington Post sugerem que a ligação da Huawei com o aparato de vigilância governamental chinês seja real. A constatação foi feita com base em uma apresentação de Power Point que estava disponível no site da empresa e foi posteriormente removida.
Repleto de itens “confidenciais”, o arquivo em questão mostra como a tecnologia da empresa pode ajudar Beijing a identificar indivíduos por voz, monitorar pessoas de interesse, gerenciar reeducação ideológica, organizar cronogramas de trabalho para prisioneiros e rastrear compradores através do reconhecimento facial.
De um lado, a Huawei nega atuar a serviço do Estado, mas admite que não tem como controlar a forma como sua tecnologia é usada pelos clientes. Do outro, as autoridades enxergam uma aproximação cada vez maior entre a empresa e Beijing.
Um argumento frequentemente usado por quem denuncia o sistema estatal de vigilância tecnológica da China é a Lei de Inteligência Nacional, de 2017. A normativa legal diz que as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”. Isso, na visão dos críticos, poderia forçar os gigantes chineses da tecnologia a trabalharem a serviço do Partido Comunista Chinês (PCC).