por Julia Possa
A reunião de alto nível do Quad, o Diálogo Quadrilateral de Segurança, que reuniu EUA, Índia, Japão e Austrália, nesta sexta (12), é estratégica, mas não apenas sob a ótica de contenção e dos desafios impostos pela ascensão da China. A leitura é do diretor de pesquisa da rede ObservaChina, Paulo Menechelli.
Retomando as atividades após um hiato de oito anos, o grupo formado em 2004 – após o tsunami na Indonésia que deixou 230 mil mortos – anunciou o plano de fornecer um bilhão de vacinas contra a Covid-19 para as nações do sudeste asiático.
Apesar de ser uma clara resposta à “diplomacia das vacinas” chinesa e seu rápido avanço, pautar o encontro em um esforço unicamente “contrário a Beijing” seria uma avaliação reducionista, apontou o pesquisador.
“A formação do bloco tem interesses globais e esse esforço ultrapassa a China, apesar de Beijing também estar entre as motivações”, disse Menechelli em entrevista à “A Referência”. “O Quad ressurge como um grupo de países que atua em várias frentes desde a questão financeira até a construção conjunta de soft power“.
Nesse caso, a presença dos EUA no grupo apelidado como “Otan [Organização Tratado do Atlântico Norte] Asiática” pressupõe o avanço da diplomacia ocidental na Ásia – neste caso, também como uma forma de contrabalancear o domínio chinês sobre a região.
“Não temos ilusões”, diz Sullivan
O conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, também sublinhou que o objetivo do grupo prescinde a questão chinesa em coletiva de imprensa na última sexta-feira (12). “Não temos ilusões sobre a China, mas esse encontro não trata da China fundamentalmente”, registrou o diário britânico “Financial Times”.
A avaliação de que o encontro do Quad teria foco quase exclusivo na contenção a Beijing têm fundamento nas atuais disputas dos países-membros com o governo chinês. Enquanto Washington vê a China como seu principal adversário em confrontos comerciais e tecnológicos, Camberra sofreu sanções econômicas do governo de Xi Jinping depois de questionar as origens da pandemia.
Já Nova Délhi, tida como um “contrapeso” à China, mantém uma disputa histórica na fronteira do Himalaia. O Japão, por sua vez, vê com preocupação os avanços chineses sobre os mares que separam as duas nações.
O envolvimento dos países do Quad em questões consideradas sensíveis por Beijing, como a independência de Taiwan, o cerco contra Hong Kong e as acusações de limpeza étnica em Xinjiang, retroalimentam os conflitos e rendem acusações e reações em meio à pandemia e a maior crise sanitária do último século.
O Quad
A expectativa do Quad é que a cúpula da última sexta-feira dê força à aliança informal criada em 2004. À época, um terremoto de magnitude 9,1 atingiu o Oceano Índico, na costa da Indonésia e Forças Armadas dos países-membros trabalharam juntos para resgatar as vítimas da tragédia, que gerou mais de US$ 10 bilhões em perdas.
Antes, o Quad mantinha fóruns ministeriais para gerenciar questões no Indo-Pacífico – geralmente sem grandes efeitos concretos. “Não há garantia de que o Quad 2.0 terá êxito onde o Quad 1.0 falhou”, apontou um relatório do CSIS (Centro de Estudos Estratégicos Internacionais).
A falha seria a dissolução do grupo durante a crise de 2008, retomado apenas nove anos depois. “A forma de mantê-lo é a partir da consolidação do grupo pela estabilização regional”. Ainda assim, o especialista Tanvi Madan, da think tank Brookings, afirmou à VOX que, se a China tivesse um “bom comportamento”, é possível que o Quad não estivesse engajado.
“Há interesses mais complexos no Quad”, pontuou Menechelli. “Mas certamente os países não querem ter de escolher entre China e EUA. Já é consenso nas Relações Internacionais de que forçar uma escolha é um entrave para novos avanços”.