Este artigo foi publicado originalmente em inglês no think tank Foreign Policy Research Institute (FPRI)
Por Antonia Colibasanu
Os conflitos modernos estão cada vez mais sendo conduzidos através de múltiplos países e domínios, manifestando-se de diversas maneiras, desde combates convencionais em terra até operações estratégicas de influência. A coalizão informal composta por China, Irã, Rússia e, mais recentemente, Coreia do Norte, identificada pelo acrônimo CIRN, representa uma rede regional contra a influência ocidental, desafiando o poder geopolítico e econômico dos Estados Unidos e do Ocidente em geral. Embora a Coreia do Norte tenha se juntado às forças russas na Ucrânia, sendo mais visível por suas posturas políticas e militares, China, Irã e Rússia estão trabalhando juntas na construção de uma nova plataforma de comércio e investimento para sustentar sua agenda política.
Embora ainda não estejamos vivendo uma guerra global em larga escala, há uma confrontação econômica global em andamento, que pode ser um prelúdio para hostilidades militares explícitas. Essa mudança paradigmática começou em 2022, quando a Rússia bloqueou o acesso da Ucrânia às rotas comerciais do Mar Negro, obstruindo seus canais críticos de exportação, um movimento que foi respondido com sanções ocidentais. Nos últimos dois anos, a coalizão CIRN ganhou destaque, enquanto corredores de comércio e investimento foram estrategicamente realinhados tanto por blocos ocidentais quanto antiocidentais, refletindo uma recalibração das dependências econômicas globais e uma reestruturação da economia mundial.
Prefiro o acrônimo CIRN para descrever a aliança informal entre China, Irã, Rússia e Coreia do Norte, pois captura melhor as dinâmicas essenciais da parceria. A participação da Coreia do Norte no apoio às ações da Rússia na Ucrânia provavelmente dependeu da aprovação tácita da China, já que suas tropas teriam utilizado rotas de transporte chinesas para chegar à Rússia. Assim, essa parceria é melhor compreendida como uma rede China-Irã-Rússia, um vínculo estratégico e informal focado em avançar os interesses de cada país enquanto contrapõe a influência ocidental, particularmente na Eurásia.
Essa coalizão informal tornou-se especialmente evidente em 2022, quando a Rússia iniciou a confrontação econômica global ao interromper rotas comerciais estabelecidas. Desde então, o CIRN tem explorado ativamente caminhos alternativos para influência e comércio, alavancando sua posição para desafiar a dominância ocidental em declínio no cenário global.
As guerras na Ucrânia e no Oriente Médio tiveram dois grandes impactos. O primeiro foi o aumento da pressão sobre o transporte marítimo e a logística, com custos de frete e seguros elevados, gerando pressões inflacionárias e ameaçando as linhas marítimas abertas. O segundo impacto principal foi a redefinição das rotas comerciais terrestres, já que os fluxos de carga pelos antigos corredores eurasiáticos diminuíram drasticamente desde 2022.
O Corredor Norte, ou Nova Ponte Terrestre Eurasiática, há muito funciona como a principal artéria de frete conectando a Ásia à Europa. Este sistema ferroviário transcontinental se estende da China, passando por Cazaquistão, Rússia e Belarus, oferecendo infraestrutura coesa devido à uniformidade de bitola e ao alinhamento regulatório sob a Organização para Cooperação Ferroviária. Contudo, as sanções decorrentes da guerra na Ucrânia e a incerteza reduziram significativamente o transporte por essa rota, com volumes de envio em 2023 caindo 51% em direção ao oeste e 44% para o leste em relação a 2022.
Como resultado, os Corredores Sul (da China através da Ásia Central, Irã e Turquia até o Mediterrâneo e Europa) e Médio (da China, cruzando o Cazaquistão, o Mar Cáspio, Azerbaijão, Geórgia, Turquia e o Mar Negro) ganharam destaque como rotas comerciais entre Europa e China. Enquanto a China redireciona seu tráfego comercial, a Rússia acelerou, desde 2022, investimentos no Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC), conectando os portos do norte da Rússia aos portos do Irã pelo Cáucaso e o Mar Cáspio. O INSTC apresenta-se como alternativa mais curta e econômica em comparação às rotas tradicionais como o Canal de Suez.
O Irã, posicionado no cruzamento do Corredor Sul e do INSTC, emergiu como elo natural na aliança CIRN, oferecendo base logística para a coordenação entre os membros e fortalecendo a capacidade da rede regional de influenciar o Ocidente. Essa colaboração estratégica reflete um esforço coordenado para criar novos mecanismos de cooperação e, ao mesmo tempo, reduzir a dependência das economias do Ocidente.
O desenvolvimento de novos corredores comerciais, como o Corredor Médio e o INSTC, ilustra o objetivo estratégico de equilibrar o domínio ocidental nos fluxos globais de comércio. A integração dessas rotas na infraestrutura eurasiática já está moldando a geopolítica global, desafiando normas estabelecidas e sinalizando o potencial de reconfiguração da ordem econômica mundial.
A Turquia, notavelmente, demonstra interesse em se juntar ao BRICS desde 2018, em um movimento que visa mostrar o crescente poder regional do país junto com sua abordagem de política externa multidimensional. Mais recentemente, em setembro de 2024, surgiram relatos de que a Turquia havia se candidatado formalmente para se juntar ao BRICS, com autoridades russas confirmando a solicitação. No entanto, autoridades turcas têm sido ambíguas, afirmando que o processo está em andamento sem confirmar uma solicitação formal. E, em dezembro de 2024, o status de membro da Turquia permanece incerto, sem confirmação oficial de aceitação no grupo BRICS. O não alinhamento da Turquia com o Ocidente em sancionar a Rússia e sua postura no Mar Negro como um negociador-chave entre a Rússia e o Ocidente na Ucrânia desafiou sua aliança com o Ocidente, mesmo que seja um membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Ao mesmo tempo, a Turquia e a China se tornaram mais próximas à medida que o comércio e o investimento bilaterais se desenvolveram e as visitas de alto nível se tornaram mais frequentes nos últimos anos. Além disso, o consórcio chinês que compreende a Cosco Pacific, a China Merchants Holdings International e a CIC Capital adquiriu uma participação de 65% na Kumport em 2015, marcando o investimento chinês mais importante em um porto turco no Mar Negro — naquela época parte da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative) e agora efetivamente parte do Corredor Médio.
O ato de equilíbrio estratégico da Turquia entre a Rússia, a China e o Ocidente, juntamente com sua posição ao longo das rotas comerciais vitais Leste-Oeste, tem implicações significativas para corredores alternativos. O papel da Turquia pode fortalecer a capacidade dessas rotas de facilitar os fluxos comerciais não ocidentais, alinhando-se com os objetivos mais amplos do CIRN. Dada sua complexa relação com os Estados Unidos, a Turquia há muito tempo alavanca seus laços com a Rússia — e agora seu relacionamento em expansão com a China — para reforçar sua influência estratégica com Washington. Observando o afastamento dos EUA da Eurásia e do Oriente Médio, que Ancara interpreta como um enfraquecimento da presença americana na região, a Turquia vê a oportunidade de usar seus laços com a China e a Rússia não apenas para interesses econômicos, mas também para garantir que permaneça alinhada com as potências emergentes mais fortes da região.
A Turquia não está sozinha na região do Mar Negro ao receber investimentos chineses visando melhorar os corredores comerciais. Nos últimos anos, a China aprofundou sua pegada econômica na Geórgia, priorizando infraestrutura e projetos estratégicos com implicações regionais significativas. Em maio de 2024, um consórcio liderado pela China garantiu o contrato para desenvolver o porto de águas profundas de Anaklia na costa do Mar Negro da Geórgia: um projeto pronto para reforçar o papel da Geórgia no Corredor Médio e na Nova Rota da Seda da China. Paralelamente, empresas chinesas empreenderam grandes projetos de infraestrutura, como a construção do túnel Kvesheti-Kobi, o maior da Geórgia, que integra ainda mais o país à crescente rede comercial transeurasiana da China. Esses empreendimentos ressaltam o interesse estratégico da China em posicionar a Geórgia como um centro de trânsito crítico, em linha com seus objetivos mais amplos de fortalecer a conectividade e a influência em toda a Eurásia.
A estratégia da China para expandir sua presença ao longo dos corredores comerciais da Eurásia depende não apenas da construção dessas rotas, mas também de garantir que sejam competitivas e atraentes para os transportadores. Avaliando a competitividade desses corredores — essenciais para entender quais rotas são mais viáveis para o trânsito Ásia-Europa —, um estudo de julho de 2024 avaliou vários corredores com base nas características operacionais atuais. As descobertas revelaram que o Corredor Marítimo Tradicional lidera em desempenho com um índice de competitividade de 0,7203 (em uma escala de 0 a 1). Em seguida, estão o Corredor Transiberiano com 0,4056 e, em seguida, os Corredores Médio e Sul, com índices de desempenho semelhantes de 0,2864 e 0,2662, respectivamente.
Para combater a China e a aliança informal do CIRN em sua tentativa de expandir a influência pela Eurásia — e potencialmente remodelar a dinâmica do comércio global por meio de corredores como a rota Norte-Sul, que a Rússia está desenvolvendo e que liga as redes Leste-Oeste a rotas marítimas globais —, o Ocidente deve trabalhar ativamente para reforçar sua presença ao longo dessas rotas estratégicas. Alcançar isso exigiria não apenas aumentar os investimentos ocidentais nesses corredores de trânsito, mas também priorizar estrategicamente rotas menos vulneráveis à influência do CIRN. Investir nesses corredores oferece um forte retorno, não apenas porque há uma clara justificativa comercial para alternativas ao Corredor Norte — que provavelmente permanecerá subutilizado, dado que, mesmo após o fim da guerra na Ucrânia, a reintegração da Rússia ao comércio europeu enfrentará desafios substanciais —, mas também porque tais investimentos permitem que o Ocidente mantenha influência no cenário de infraestrutura em rápida evolução, garantindo um papel equilibrado na formação de rotas econômicas e comerciais globais.
Do ponto de vista geoestratégico, o papel central da China em todas as rotas comerciais que conectam a Ásia torna a interrupção do CIRN dependente do investimento ocidental em corredores alternativos que contornam o Irã e limitam a dependência da Turquia. A abordagem da Turquia, equilibrando alianças e priorizando ganhos imediatos, levou-a a se alinhar mais estreitamente com a China e, às vezes, acomodar a Rússia, adicionando uma camada de incerteza. Embora a Europa possa tolerar essa ambiguidade, dada sua menor exposição aos impactos de uma aliança funcional do CIRN em rotas comerciais globais abertas, os Estados Unidos não podem se dar ao luxo de tal leniência. Os Estados Unidos dependem do bom funcionamento das rotas marítimas globais, que é um de seus principais imperativos geopolíticos. Portanto, os Estados Unidos precisam estar cientes e mitigar qualquer mudança que o CIRN possa introduzir nas normas comerciais atuais.
A intersecção entre o Corredor Norte-Sul da Rússia e os Corredores Médio e Sul, onde a China está expandindo sua influência, representa um desafio não apenas para a Eurásia, mas para todo o sistema de comércio internacional. Dadas as metas de longo prazo declaradas pela China e pela Rússia para reduzir a influência ocidental nos mercados globais, o design desses corredores destaca sua intenção de estabelecer uma base para esse objetivo. Embora não pretendidos para o curto ou médio prazo, se esses novos corredores estabelecerem regras que minem as normas existentes de navegação aberta e livre — atualmente mantidas pelos padrões ocidentais —, o impacto reverberaria em todo o comércio global.
Portanto, é provável que o Ocidente — tanto a Europa quanto os Estados Unidos — explore maneiras de combater a influência projetada pela aliança CIRN na Eurásia, incluindo um exame detalhado do desenvolvimento dos corredores comerciais atuais. O Corredor Médio tem duas variantes: uma que chega à Europa pela Turquia e pelo Mediterrâneo, e outra que se conecta à Europa pelo Mar Negro, acessando portos romenos e búlgaros. Junto com o Corredor do , essas rotas podem ser agrupadas como Corredor Médio A e Corredor Médio B, com uma comparação destacando as regiões e países que atravessam. Esta análise mostra que o corredor Leste-Oeste mais favorável para o Ocidente, em termos de controle e complicações mínimas, é o Corredor Médio B. Esta rota se estende da China pela Ásia Central e pelo Cáucaso, depois pelo Mar Negro diretamente para a Europa, oferecendo um caminho confiável com riscos geopolíticos reduzidos.
A variante do corredor comercial que contorna o Irã e a Turquia passa pelo Mar Negro, uma área atualmente em risco de conflito crescente. O objetivo estratégico da Rússia de controlar a costa sul da Ucrânia, ressaltado pelos crescentes ataques ao porto de Odessa nos últimos meses, aumenta as preocupações de segurança em torno desta rota. Embora atualmente o Corredor Médio seja ligeiramente mais competitivo do que o Corredor Sul, considerando o status operacional atual da infraestrutura multimodal, o apoio ocidental sustentado ao investimento pode torná-lo mais viável. Ao mesmo tempo, pode ser que, por meio do processo, e à medida que a guerra na Ucrânia termina de forma favorável ao Ocidente, o Mar Negro esteja voltando a ser um mar aberto e livre, considerando o interesse de permitir a passagem comercial.
Os esforços ocidentais para desenvolver o Corredor Médio e promover uma “Ásia Central aberta” que acolha investimentos além da influência chinesa e russa já estão mostrando resultados. A estratégia União Europeia-Ásia Central e o envolvimento dos EUA em projetos de conectividade regional contribuíram para a decisão do Cazaquistão de não se juntar ao BRICS em 2024, ao contrário, encorajando-o a se concentrar em seu crescimento econômico. Em vez disso, a ênfase do Ocidente na cooperação regional sem política de bloco explícita se alinha bem com a postura de política externa independente do Cazaquistão. O Cazaquistão expressou interesse na iniciativa Global Gateway da UE, que financia projetos de infraestrutura, refletindo sua abertura ao desenvolvimento apoiado pelo Ocidente.
O desenvolvimento do Corredor Médio B — a rota que chega à Europa pelo Mar Negro — pode desempenhar um papel fundamental em manter o Cáucaso do Sul aberto ao crescimento apoiado pelo Ocidente, mesmo em meio ao seu envolvimento com a Rússia e a China. Esse potencial repousa em dois fatores.
Primeiro, enquanto a Ásia Central, particularmente o Cazaquistão, permanecer receptiva à colaboração com o Ocidente em projetos de infraestrutura, o Cáucaso do Sul se beneficiará dessa abertura. Segundo, a expansão do Corredor Médio B se alinha com a “linha de contenção” ocidental que se estende do Mar Báltico ao Mar Negro e ao Adriático. Essa iniciativa, também conhecida como Iniciativa dos Três Mares, visa aprimorar a infraestrutura para fins econômicos e militares e se tornou cada vez mais importante desde que a guerra na Ucrânia começou.
Este foco estratégico já estimulou investimentos substanciais em instalações portuárias importantes como Gdansk e Constanta, juntamente com o desenvolvimento de uma conexão ferroviária entre elas. Olhando para o futuro, esses esforços também podem apoiar a transformação do Danúbio em um corredor comercial com potencial de uso duplo para logística militar. Simultaneamente, a Via Carpathia, uma rede rodoviária transnacional que liga o Mar Báltico ao Mar Egeu e ao Mar Negro para fortalecer o transporte norte-sul e o comércio regional, continua sendo uma alta prioridade para a Iniciativa dos Três Mares. Embora muitos projetos recebam financiamento da UE, eles também atraem investimentos privados significativos, sustentando a ideia de que o retorno sobre o investimento é maior do que a maioria dos outros projetos de infraestrutura clássicos.
O sucesso dessa visão depende da capacidade do Ocidente, particularmente dos EUA, de compreender o desafio imposto pela aliança informal CIRN de China, Irã, Rússia e o apoio da Coreia do Norte, e de seu comprometimento em formular contraestratégias eficazes. Em sua essência, muito dependerá se o Mar Negro permanecerá uma área marítima aberta e acessível. Se o conflito na Ucrânia aumentar nos próximos meses e a Rússia garantir mais do litoral da Ucrânia, o Mar Negro poderá assumir um novo caráter estratégico, bem diferente de um cenário em que a Rússia é forçada a se retirar, permitindo que a Ucrânia recupere sua zona econômica exclusiva lá. No primeiro caso, a aliança CIRN ganharia não apenas território, mas também uma influência mais forte sobre a definição de corredores comerciais “livres e abertos” — um resultado com repercussões potenciais para o comércio marítimo não apenas na região, mas em todo o mundo.