As falhas do Taleban deixaram o Afeganistão nas garras do terrorismo novamente

Artigo destaca a ascensão de EI-K e Al-Qaeda, seu impacto sobre a economia afegã e como isso ameaça o futuro do governo talibã

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no jornal South China Morning Post

Por Chris Fitzgerald

A história está se repetindo no Afeganistão. Décadas depois que a coalizão liderada pelos EUA interveio para remover a Al-Qaeda e, no processo, o Taleban, grupos terroristas estão novamente florescendo no país com resultados mortais.

Isso ocorre quando a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA) divulgou um relatório na semana passada revelando o número de civis mortos em ataques terroristas desde a tomada do poder pelo Taleban em 15 de agosto de 2021.

Segundo a UNAMA, 1.095 civis foram mortos, incluindo 287 crianças, e 2.679 ficaram feridos entre a tomada do poder pelos talibãs, em 2021, e o dia 30 de maio deste ano. A maioria dessas vítimas foi resultado de dispositivos explosivos improvisados ​​(IEDs, na sigla em inglês) em áreas densas e populosas, como mercados, mesquitas e escolas.

Os ataques se tornaram parte da vida cotidiana no Afeganistão. Em setembro passado, um homem-bomba matou pelo menos 35 pessoas em um centro educacional em Cabul. Semanas antes, uma explosão atingiu uma mesquita lotada na capital durante as orações da noite, matando 21 pessoas e ferindo 33. Esses ataques deixaram os afegãos vivendo com medo.

Embora a taxa de baixas civis represente uma queda significativa em relação aos 8.820 registrados em 2020, ela reflete uma mudança na dinâmica de segurança. Anteriormente, os afegãos foram mortos na insurgência do Taleban ou pelas forças da antiga segurança nacional afegã ou seus aliados ocidentais. Agora, estão sendo atacados por grupos terroristas em centros urbanos como Cabul.

Combatentes do Estado Islâmico-Khorasan no Afeganistão (Foto: reprodução de vídeo)

O relatório da ONU destaca “não apenas os danos civis contínuos resultantes de tais ataques, mas um aumento na letalidade dos ataques suicidas desde 15 de agosto de 2021, com um número menor de ataques causando um número maior de vítimas civis.”

Este é um resultado direto do forte aumento das operações de grupos terroristas no Afeganistão. Os dados sugerem que esses grupos foram autorizados a agir impunemente por meio da inação ou má governança do Taleban.

O Taleban rejeitou essas acusações. O porta-voz chefe Zabihullah Mujahid afirmou que o governo “tem total controle sobre a situação e não permitirá que nenhum grupo ou entidade desestabilize o Afeganistão.” Em fevereiro, o Taleban disse que suas forças de segurança mataram dois importantes comandantes do Estado Islâmico (EI), brandindo isso como prova de que estava levando o contraterrorismo a sério.

Mas os acontecimentos no terreno dizem o contrário. Dois grupos terroristas em particular floresceram desde que o Taleban assumiu o poder.

O mais proeminente – e mortal – é o Estado Islâmico Khorasan (EI-K), uma ramificação do grupo extremista sunita EI que opera no Iraque e na Síria. O EI-K, que surgiu em 2015, é famoso pelo bombardeio fora do aeroporto de Cabul durante a caótica retirada dos EUA em 2021. Esse ataque matou cerca de 170 civis afegãos e 13 soldados americanos.

Desde o retorno do Taleban, o EI-K ganhou uma posição mais forte no Afeganistão e continua a atacar as minorias hazara, xiita e sufi. Desde agosto de 2021, reivindicou a responsabilidade por sete ataques terroristas com muitas baixas, matando e ferindo cerca de 970 pessoas.

Embora o Taleban também seja um movimento sunita, ele considera o EI-K um inimigo com uma ideologia diferente, que usa ataques terroristas para obter o controle de partes do Afeganistão e pressionar o Taleban.

A relação do Taleban com a Al-Qaeda, no entanto, é diferente. No ano passado, as Nações Unidas informaram que a relação entre os dois “permanece próxima” e que “a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”.

A estreita relação ficou evidente em um momento embaraçoso para o Taleban em agosto do ano passado, quando um ataque de drones dos EUA matou o líder da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, que supostamente morava na casa de um assessor do Taleban.

O Taleban até nomeou o líder da Al-Qaeda, Qari Baryal, primeiro governador da província de Cabul, depois governador da província de Kapisa. Baryal foi acusado de organizar e realizar atentados a bomba em todo o Afeganistão.

Claramente, o Taleban é incapaz ou não quer enfrentar o terrorismo. E a comunidade internacional parece concordar.

Em junho, Vladimir Voronkov, subsecretário-geral da ONU para contraterrorismo, disse que o Taleban era “incapaz ou não queria conter a ameaça terrorista”.

O presidente dos EUA, Joe Biden, e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, também usaram uma declaração conjunta recentemente para pedir ao Taleban que cumpra a Resolução 2593 do Conselho de Segurança da ONU, que exige que o território afegão nunca seja usado para abrigar e treinar terroristas ou financiar ataques terroristas.

A China, um importante investidor no Afeganistão, também tem sido crítica. No ano passado, a China expressou choque depois que um hotel em Cabul popular entre os cidadãos chineses foi bombardeado pelo EI-K. Cinco chineses ficaram feridos no ataque, e o governo chinês pediu a todos os seus cidadãos que deixassem o país.

A deterioração da situação de segurança no Afeganistão é uma preocupação fundamental para Beijing. A China não quer que o terrorismo se expanda e se espalhe em suas províncias ocidentais, onde o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental está ativo.

O EI-K também ameaçou os interesses comerciais da China no Afeganistão. Em setembro do ano passado, o grupo, em sua revista Voice of Khorasan (A Voz de Khorasan, em tradução livre), alertou Beijing contra o investimento nos recursos naturais do Afeganistão, o que poderia desencadear conflitos.

Por essas razões, a China está pressionando o Taleban para lidar com o problema.

Em maio, o ministro das Relações Exteriores chinês Qin Gang usou um fórum trilateral para exigir que o Taleban “levasse a sério as preocupações de segurança de seus vizinhos e tomasse medidas mais fortes para combater várias forças terroristas no Afeganistão.”

Afinal, a recusa em expulsar a Al-Qaeda e seu líder Osama bin Laden levou à deposição do Taleban em 2001. Embora seja improvável que seja derrubado em breve, não resolver o problema pode ter sérias consequências.

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