Em meio a conflitos e ascensão chinesa, Brics perde relevância no pós-2008

Para economista que cunhou acrônimo, não há acordos relevantes gerados pelo consórcio de emergentes

por Julia Possa

Conflitos e discordâncias diretas não têm espaço nos encontros do Brics – acrônimo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e, desde 2011, África do Sul.

Quando reunidas, as reconhecidas potências deixam de lado as diferenças e em prol de uma abordagem de multilateralismo – expectativa que se estende para a cúpula anual agendada para esta terça (17). O encontro, presidido pela Rússia, acontece por vídeo.

A característica pragmática é uma das marcas centrais do Brics – e, por consequência, motivo de desapontamento para o economista inglês Jim O’Neill, criador do acrônimo.

“Não consigo pensar em um único acordo efetivo de peso entre os países do Brics que tenha tido uma consequência importante”, disse ele ao jornal brasileiro “O Estado de S.Paulo”, em outubro.

Em novembro de 2019, pouco antes da cúpula anual do grupo, no Brasil, O’Neil afirmou ver com ressalvas os encontros do grupo à BBC News Brasil. “Eles geralmente parecem desfrutar apenas do simbolismo da reunião, em vez de realmente adotar políticas. Alguém notaria se não houvesse reunião do Brics?”, indagou.

Em meio a conflitos e ascensão chinesa, BRICS mantém caráter pragmático
Da esquerda para a direira, o presidente chinês Xi Jinping; o presidente russo, Vladimir Putin; o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro; o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, na cúpula do BRICS em Brasília, em novembro de 2019 (Foto: MRE/Arthur Max)

Expectativas

Ao emergir, em 2009, como uma resposta à crise do ano anterior, especialistas viam no grupo uma possibilidade de contestação à ordem econômica hegemônica de EUA e Europa.

Mas os integrantes não corresponderam à expectativa – nem nunca prometeram fazê-lo, como lembrou o doutor em Relações Internacionais e professor da Universidade Federal de Pelotas, William Daldegan de Freitas.

“O Brics continua sendo o mesmo, seja na forma e na função”, explica Daldegan. A única mudança está na conjuntura. “Não estamos mais diante de uma crise financeira global em que são atores relevantes na contenção e na minimização dos impactos negativos”.

A crise agora é outra, e o Brics não possui um papel tão incisivo e determinante quanto o esperado há mais de dez anos, diz Daldegan. Diferentes entre si, os países vivem atritos entre si na esfera bilateral e suas disputas não são bem-vindas no ambiente multilateral do Brics.

Em meio a conflitos e ascensão chinesa, BRICS mantém caráter pragmático
Uma das primeiras cúpulas do BRIC, em 2010, no Brasil. Da esquerda para a direita, o ex-presidente russo, Dmitri Medvedev; o ex-presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva; o ex-presidente chinês, Hu Jintao, e o ex-primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh (Foto: Agência Brasil/José Cruz)

Alguns exemplos são as recentes disputas da China com a Índia pela fronteira do Himalaia e a clara referência do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, às supostas espionagens da chinesa Huawei por meio das redes 5G em todo o mundo.

Nenhum desses tópicos tem, contudo, espaço nas discussões dos encontros do Brics. “Não são adotados posicionamentos geradores de constrangimentos individuais e coletivos”, ressalta o pesquisador.

“Podemos interpretar isso como um sinal não só de garantia dos interesses individuais mas de um arranjo político maduro, consciente do seu alcance e dos limites existentes”, pontuou.

Próximos passos

Com a crise lançada pelo novo coronavírus, a expectativa é pelo fortalecimento da cúpula – muito por conta dos empréstimos mútuos através do NBD (Novo Banco de Desenvolvimento, também chamado de Banco dos Brics), com sede na chinesa Xangai.

A despeito dos conflitos potenciais entre os integrantes, nos últimos cinco anos, as exportações entre os cinco países aumentaram 45%. Na economia, os países representam 25% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial.

E os integrantes têm noção disso. “Concordar sobre todos os assuntos é impossível”, disse Viktoria Panova, gerente do comitê russo do Brics em pesquisa acadêmica à agência de notícias estatal russa Sputnik. “São as diferenças que fazem o Brics avançar”.

“O Brics é encorajador na ordem internacional”, concordou o representante da Índia, Suresh Reddy, em um seminário mobilizado pelo Grupo de Estudos sobre o Brics da USP (Universidade de São Paulo), no dia 27. “Mas me pergunto: onde o Brics quer chegar nos próximos dez anos?”.

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