Belarus lista opositores como ‘terroristas’ e aumenta os alvos da pena de morte

Dissidentes destacam que a lei permite ao governo executar qualquer indivíduo acusado de tentar ou planejar um atentado

O governo de Belarus inseriu o nome de mais 23 pessoas em sua lista de terroristas designados, que atualmente conta com 870 indivíduos. Entre eles está Sergei Tsikhanouski, marido da líder oposicionista Sviatlana Tsikhanouskaia, candidata derrotada na eleição presidencial de agosto de 2020. As informações são da rede Radio Free Europe (RFE).

O anúncio, feito na terça-feira (28), surge pouco mais de um mês após uma mudança na legislação que passou a punir com a pena de morte pessoas acusadas de “terrorismo”. Foi recebido com “indignação e preocupação” pela Embaixada Popular de Belarus no Brasil, grupo que faz oposição ao presidente Alexander Lukashenko e apoia dissidentes em todo o mundo.

“O regime de Lukashenko há meses ‘concede’ títulos de terroristas e extremistas a todo mundo que se opõe à ditadura e à injustiça, incluindo opositores, jornalistas, agentes culturais e cidadãos comuns que simplesmente não se calaram enfrentando a injustiça”, disse Volha Yermalayeva Franco, representante do grupo no Brasil, que conversou com a reportagem de A Referência.

Segundo ela, o que mais preocupa “não são as sentenças de prisão de 15 anos ou mais. Temos esperança de que o regime não dure esse tempo todo”. O problema maior, diz, é a pena de morte, que pode vir a ser aplicada a pessoas acusadas de “tentativa ou planejamento de atentado, o que, na situação de hoje, pode ser literalmente qualquer coisa”.

Lukashenko em visita a Vladimir Putin, em Moscou, Rússia, setembro de 2020 (Foto: Kremlin)

Quem também passou a figurar na lista de “terroristas” é o blogueiro belarusso Ihar Losik, consultor da RFE, que tem sede em Washington, nos EUA. Em dezembro, Tsikhanouski e Losik foram condenados a 18 e 15 anos de prisão, respectivamente, acusados de organizar desordem em massa, incitar o ódio social e impedir as atividades da Comissão Eleitoral Central. Eles dizem que as acusações têm motivação política.

Jamie Fly, presidente da RFE, emitiu um comunicado no qual condena a designação. “Esta escalada é um abuso flagrante da autoridade do Estado e sublinha o desprezo do regime de Lukashenko pelos jornalistas que expõem a verdade”, disse. “Continuamos a exigir a libertação imediata de Ihar da prisão para que ele possa se reunir com a mulher e a filha”.

A medida também veio acompanhada de manifestação de repúdio da ONU (Organização das Nações Unidas), através de Anaïs Marin, relatora especial sobre a situação dos direitos humanos em Belarus. “Estou extremamente preocupada que definições amplas e vagas de ‘atos terroristas’ possam ser interpretadas para incluir atos que visam ao exercício legítimo de direitos fundamentais”, disse ela.

Ferroviários no corredor da morte

A iniciativa de ampliar a aplicação da pena de morte em casos de “terrorismo” surgiu após ativistas tentarem sabotar o sistema ferroviário do país, para dificultar o transporte de armamento e tropas da Rússia para a guerra da Ucrânia, em março deste ano. Antes, a pena de morte só podia ser imposta se o atentado se confirmasse e resultasse em morte. Agora, o crime tentado também acomoda a pena capital.

Três ativistas que teriam participado das supostas sabotagens à rede ferroviária podem ser condenados com base na nova redação legal. “Os homens podem enfrentar uma pena máxima tão grave quanto a pena de morte”, disse em comunicado o Comitê de Investigação de Belarus, segundo a rede Al Arabiya News.

Por que isso importa?

Belarus testemunha uma crise de direitos humanos sem precedentes, com fortes indícios de desaparecimentos, tortura e maus-tratos como forma de intimidação e assédio contra seus cidadãos. Dezenas de milhares de opositores ao regime de Lukashenko, no poder desde 1994, foram presos ou forçados ao exílio desde as controversas eleições de 2020.

O presidente, chamado de “último ditador da Europa”, parece não se incomodar com a imagem autoritária, mesmo em meio a protestos populares e desconfiança crescente após a reeleição, marcada por fortes indícios de fraude. A porta-voz do presidente, Natalya Eismont, chegou a afirmar em 2019, na televisão estatal, que a “ditadura é a marca” do governo de Belarus.

Desde que os protestos começaram, após o controverso pleito, as autoridades do país têm sufocado ONGs e a mídia independente, como parte de uma repressão brutal contra cidadãos que contestam os resultados oficiais da votação. Ativistas de direitos humanos dizem que há atualmente mais de 800 prisioneiros políticos no país.

O desgaste com o atual governo, que já se prolonga há anos, acentuou-se em 2020 devido à forma como Lukashenko lidou com a pandemia, que chegou a chamar de “psicose”. Em determinado momento, o presidente recomendou “vodka e sauna” para tratar a doença.

No final de 2021, Belarus passou a sofrer acusações também da União Europeia (UE), por patrocinar a tentativa de migrantes e deslocados ingressarem no bloco. São expatriados do Oriente Médio, do Sudeste Asiático e da África que tentam cruzar as fronteiras com Polônia, Lituânia e Estônia.

As autoridades belarussas negam as acusações e direcionam ataques à UE, usando como argumento o fato de que Bruxelas não estaria oferecendo passagem segura aos migrantes, que estariam enfrentando um frio congelante enquanto os países medem forças.

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