Cerimônia fúnebre de Navalny teve quase 30 mil pessoas e mais de cem prisões

Russos desafiaram a repressão estatal e compareceram em peso para homenagear o maior rival de Putin, morto em fevereiro

Mais de 27 mil pessoa participaram da cerimônia fúnebre em homenagem a Alexei Navalny, morto no dia 16 de fevereiro em uma prisão no Ártico russo. A estimativa foi feita pelo site investigativo Mediazona, que usou para tanto o número excedente de pessoas que passaram pela estação de metrô mais próxima ao cemitério onde ele foi enterrado.

O cálculo não se limitou a 1º de março, data do enterro, embora este tenha sido de longe o dia mais movimentado. Também foram inseridos na conta os dias 2 e 3, quando o movimento de pessoas no cemitério Borisovsky foi igualmente acima da média para homenagens posteriores ao enterro.

De acordo com o Mediazona, nesses três dias houve 27,2 mil pessoas a mais que a média diária registrada na estação de metrô Borisovo, a mais próxima do cemitério. E a presença foi provavelmente superior, vez que não entram na conta os cidadãos que usaram outras estações ou meios de transporte diferentes, ou mesmo aqueles que chegaram ao local a pé.

Lynne Tracy, embaixadora dos EUA em Moscou, deposita flores sob o caixão de Navalny (Foto: x.com/USEmbRu)

O dia do enterro, o mais movimentado dos três, teve 18,6 mil pessoas a mais que o normal na estação. Nos dois dias posteriores, o movimento excedente somado chegou a 8,6 mil pessoas, totalizando 27,2 mil visitantes.

“A fila de pessoas que queriam se despedir de Alexei se estendia por vários quilômetros em Moscou. Os apoiadores de Navalny também organizaram memoriais em dezenas de cidades na Rússia e no estrangeiro”, diz a reportagem.

Embora o governo tenha autorizado a cerimônia, algo até surpreendente ante à dura repressão contra dissidentes e sobretudo contra os aliados de Navalny, os cidadãos que se arriscaram a comparecer não escaparam das autoridades.

A ONG OVD-Info, que monitora a repressão no país, registrou 113 detenções em 19 cidades no dia 1º de março. Em parte, a ação pode ser explicada pela ousadia de alguns presentes, que gritaram “Putin é um assassino” e “não à guerra” quando se dirigiam ao cemitério.

Quem foi Alexei Navalny

Mais proeminente opositor do presidente russo Vladimir Putin, Navalny ganhou destaque ao organizar manifestações e concorrer a cargos públicos na Rússia. A rede dele chegou a ter 50 sedes regionais e denunciava casos de corrupção envolvendo o governo, o que levou o Kremlin a agir judicialmente para proibir a atuação do opositor, que então passou a ser perseguido.

Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, Navalny foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Ele voltou a Moscou em 17 de janeiro de 2021 e foi detido no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado por violar uma sentença suspensa de 2014, um caso de fraude. Os promotores alegaram que ele não se apresentou à polícia justamente quando estava em coma pela dose tóxica.

Encarcerado em uma colônia penal de alta segurança, chegou a fazer uma greve de fome para protestar contra a falta de atendimento médico. Depois, em junho de 2021, um tribunal russo proibiu os escritórios regionais e a Fundação Anticorrupção (FBK) dele de funcionarem, classificando-os como “extremistas”. Julgado e condenado, o oposicionista jamais recuperou a liberdade e mantinha contato com seus seguidores pelas redes sociais, atualizadas por aliados.

A última medida retaliatória do governo contra Navalny foi transferi-lo para a gelada colônia penal IK-3, no Ártico russo, onde ele morreu no dia 16 de fevereiro de 2024. O inimigo número um de Putin desmaiou quando caminhava no pátio, e as tentativas de ressuscitá-lo, segundo os agentes carcerários, foram em vão.

Navalny cumpria pena de 30 anos por acusações diversas, que vão desde fraude até extremismo, esta a mais grave. Ele sempre alegou que as acusações eram politicamente motivadas e frequentemente reclamava do tratamento que recebia no cárcere, dizendo inclusive que sua saúde estava debilitada por isso.

A perseguição de que era vítima levou aliados, grupos de defesa dos direitos humanos, governos estrangeiros e até a ONU (Organização das Nações Unidas) a culparem o governo russo pela morte, alguns usando a palavra “assassinato”.

Após a morte, retomou-se o debate sobre o retorno dele à Rússia, mesmo sabendo que seria preso e possivelmente morto pelo regime. A mulher dele, Yulia Navalnaya, disse que Navalny não pôde optar por uma vida tranquila no exílio porque “amava profundamente” a Rússia e acreditava no potencial do povo russo para um futuro melhor. Alegou ainda que o marido não apenas expressava essas convicções, mas as vivia intensamente, estando até mesmo disposto a sacrificar sua vida por elas.

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