Guerra completa dois anos com a Ucrânia enfraquecida e a Rússia vislumbrando a vitória

Kiev sofre com o congelamento da ajuda dos EUA, enquanto Moscou foca sua economia na guerra e celebra uma importante conquista

A guerra da Ucrânia completa dois anos neste sábado (24), e o final dela ainda parece distante. Com base no cenário atual, porém, se um dos dois lados tem motivos para ficar otimista com o desfecho futuro do conflito é o da Rússia. Enquanto Kiev sofre com a falta de soldados e equipamento, conforme os EUA enfrentam barreiras políticas para manutenção do apoio militar ao aliado, Moscou mostra que sua economia e sua indústria se adequaram aos tempos de guerra e que mesmo o antigo problema da falta de contingente parece contornável.

A recente conquista da cidade de Avdiivika, com as forças ucranianas obrigadas a bater em retirada, é o símbolo do momento favorável ao lado russo. Segundo o jornal The New York Times, analistas militares norte-americanos entendem que a conquista territorial em si não tem um valor estratégico decisivo. O que mais pesa a favor dos homens de Vladimir Putin são as baixas infligidas a Kiev.

Ouvidos pelo jornal, dois soldados que participaram dos combates disseram que Kiev perdeu entre 850 e mil homens, entre mortos e capturados. Já os especialistas avaliam que, além da perda humana, entra na conta também o impacto emocional, pois a derrota e as baixas surgem no momento em que o moral das tropas já está comprometido.

Soldado russo, fevereiro 2022: guerra hoje pende para o lado de Moscou (Foto: facebook.com/mod.mil.rus)

A avaliação é compatível com um relato feito pela agência Reuters, que ouviu mais de 20 militares, entre soldados e oficiais, em diversos pontos dos mais de mil quilômetros da linha de frente no sul e no leste da Ucrânia. Eles reclamaram das condições climáticas terríveis, da falta de munição e da desvantagem numérica em relação ao inimigo.

Um dos problemas citados pelos combatentes foi ratificado pelo vice-ministro da Defesa, Ivan Havryliuk. Segundo ele, suas tropas foram forçadas a recuar devido à escassez de munição para artilharia e lançadores de mísseis, situação que deve estimular novas ofensivas russas.

A questão está diretamente ligada ao apoio norte-americano, crucial para manter as tropas de Kiev equipadas. Um pacote de US$ 95 bilhões destinado a Ucrânia, Israel e Taiwan, dos quais US$ 61 bilhões seriam entregues exclusivamente a Kiev, depende do aval do Congresso, travado pela disputa entre os partidos Republicano e Democrata.

“Se houver mais atrasos na ajuda militar necessária, a situação na frente poderá se tornar ainda mais difícil para nós”, disse Havryliuk à Reuters, em resposta enviada por escrito.

Em conversa com a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que a ajuda norte-americana é “vital” para suas Forças Armadas. Já o presidente norte-americano, Joe Biden, afirmou que “há muita coisa em jogo” e que os ucranianos estão “ficando sem munição”, segundo a agência Associated Press (AP).

Do lado russo, a situação é diferente. A venda de combustíveis fósseis sustenta a economia mesmo ante às sanções ocidentais. De acordo com a rede CNN, as receitas federais de Moscou atingiram US$ 320 bilhões em 2023, um recorde. E tendem a aumentar ainda mais neste ano. Cerca de um terço desse dinheiro foi investido na guerra, porcentagem que igualmente deve ser maior em 2024.

O país também enfrenta dificuldades para se armar, com as sanções bloqueando o acesso a mercados tradicionais. O Kremlin, porém, direciona cada vez mais sua indústria para fins militares.

“A Rússia mobilizou significativamente a sua indústria de Defesa, aumentando os turnos e expandindo as linhas de produção nas instalações existentes, bem como colocando novamente em funcionamento fábricas anteriormente desativadas. Isto levou a aumentos significativos na produção”, diz artigo publicado pelo think tank britânico Royal United Services Institute (RUSI).

Paralelamente, Putin recorre a fontes externas alternativas, como os aliados Irã e Coreia do Norte. Considerando que esses dois países já sofrem com as punições econômicas ocidentais, desrespeitar as regras novas e negociar com Moscou não é um problema. Mesmo a China, por mais que tente esconder, dá sinais de que vem armando os russos.

Contingentes reduzidos

A desvantagem numérica ucraniana pode ser explicada pela diferença óbvia entre as populações dos dois países. Mas também pela maior facilidade que o regime autoritário de Putin encontra para recrutar novos combatentes. Além da mobilização parcial anunciada em setembro de 2022, que adicionou cerca de 300 mil homens às Forças Armadas, ele tem adotado métodos nada ortodoxos.

São cada vez mais frequentes os relatos de cidadãos que foram detidos por se posicionarem contra o governo e libertados na sequência. Mas não sem antes receberam uma convocação militar. Aconteceu por exemplo, com indivíduos levados pela polícia quando prestavam suas homenagens póstumas a Alexei Navalny, oposicionista que morreu na última sexta-feira passada (16). Mesmo uma nova mobilização não está descartada.

Kiev, por sua vez, enfrenta toda sorte de desafios para ampliar seu contingente. Em agosto do ano passado, Zelensky demitiu os líderes de todos os centros de recrutamento militar do país devido a suspeitas de corrupção. A falta de combatentes é preocupante a ponto de as lideranças militares terem feito um apelo pela adição de centenas de milhares de novos soldados.

A situação levou a um choque entre o presidente e o general Valerii Zaluzhnyi, então chefe das Forças Armadas, que acabou demitido. O parlamento ucraniano propôs uma lei de mobilização, que foi “amplamente criticada”, de acordo com o jornalista e consultor político Mykyta Vorobiov. O país não vê com bons olhos a medida, considerada um ataque às liberdades individuais.

Guerra nas mãos do Ocidente

Segundo o RUSI, a sobrevivência ucraniana na guerra está diretamente atrelada ao apoio ocidental. “A teoria russa da vitória é plausível se os parceiros internacionais da Ucrânia não conseguirem fornecer recursos adequados às Forças Armadas da Ucrânia”, afirma o think tank.

Também faz parte da estratégia de Kiev levar a guerra o mais longe que conseguir. “Depois de 2026, o desgaste dos sistemas começará a degradar materialmente o poder de combate russo, enquanto a indústria russa poderá ser suficientemente perturbada nessa altura, fazendo com que as perspectivas da Rússia diminuam ao longo do tempo”, avalia o RUSI.

Com a vantagem do lado russo neste momento, uma análise feita pela rede BBC indica que é necessário esperar para ver como o Ocidente reagirá. A perspectiva de um triunfo russo, com a Ucrânia caindo integralmente nas mãos de Putin, pode restaurar a unidade ocidental, na tentativa de evitar tal desfecho, ou alimentar o ceticismo de que Kiev nunca teve condições de vencer esta guerra. Nesta segunda hipótese, o destino do país estaria selado.

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