Crianças ucranianas são submetidas a treino militar de ‘sobrevivência’ em Belarus

TV estatal exibiu uma reportagem com crianças recém-chegadas ao país participando de um treinamento de evacuação em caso de incêndio

Dezenas de crianças ucranianas da cidade de Antratsyt, no leste do país, que está sob ocupação russa desde 2014, foram levadas para Belarus. Lá, conforme mostrou a televisão estatal na quarta-feira (10), foram submetidas a um “treinamento de sobrevivência de emergência” com as forças militares da ex-república soviética, aliada de Moscou, segundo informações da mídia local reproduzidas pelo site Politico.

O canal Belarus 4 Mogilev divulgou que 35 crianças recém-chegadas no país foram enviadas para a cidade de Mogilev, onde receberam instruções sobre “como se comportar em situações extremas” em exercícios com as forças locais. 

A reportagem mostrou algumas das crianças vestindo agasalhos com bandeiras russas estampadas nas mangas. Durante uma simulação de evacuação de incêndio, elas foram mostradas se segurando umas às outras e cobrindo seus rostos.

Milhares de crianças ucranianas não conseguiram fugir da agressão russa (Foto: WikiCommons)

Nas imagens, é possível ouvir as crianças gritando em uma sala com fumaça. Evgeniy Sokolov, inspetor do centro de treinamento militar de Mogilev, enfatizou que as aulas não se limitam à teoria, sendo ministradas de “forma lúdica” e especialmente adaptadas para as crianças, conforme relatado pela televisão estatal.

A Ucrânia e a oposição belarussa acusam Minsk de realizar uma transferência em grande escala e ilegal de crianças ucranianas para o país vizinho. Críticos afirmam que essa operação busca doutrinar os menores para que se tornem pró-Rússia.

O canal de televisão estatal belarusso Belarus1 relatou que as crianças estão hospedadas em um abrigo e recebendo cuidados de servidores do Ministério de Situações de Emergência, segundo reproduziu a agência Associated Press.

Um estudo da Universidade de Yale revelou que mais de 2,4 mil crianças ucranianas, de 6 a 17 anos, foram levadas para Belarus de regiões parcialmente ocupadas por tropas russas. A oposição belarussa pede ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que responsabilize o presidente Alexander Lukashenko e autoridades do governo por sua participação na transferência ilegal das crianças para Minsk.

Foi justamente a extração de crianças ucranianas que levou o TPI a emitir um mandado de prisão contra o presidente russo Vladimir Putin e Maria Alekseyevna Lvova-Belova, comissária para os Direitos da Criança no gabinete dele.

De acordo com o TPI, os crimes que motivaram os mandados “teriam sido cometidos em território ucraniano ocupado pelo menos desde 24 de fevereiro de 2022”, data da invasão russa.

Já os indícios de que Belarus também participa do processo começaram a surgir em junho. Na ocasião, Dzmitry Shautsou, secretário-geral da Cruz Vermelha belarussa, confirmou que o país participa do processo e que o objetivo é oferecer “melhorias de saúde” aos jovens.

Doutrinação

As autoridades ucranianas estão investigando a deportação de crianças como possível genocídio. O Procurador-Geral da Ucrânia afirmou que Belarus está sendo investigada por suposta deportação forçada de mais de 19 mil crianças de territórios ucranianos ocupados.

Pavel Latushka, ex-ministro da cultura belarusso e ativista da oposição, apresentou ao TPI evidências do suposto envolvimento de Lukashenko na deportação ilegal de crianças. Ele revelou que as autoridades do país não escondem que as crianças estão sendo doutrinadas e mencionou casos de reeducação e doutrinação para tornar as crianças pró-Rússia, incluindo transferências para a Rússia com propósito de adoção.

Crime de guerra e genocídio

A deportação em massa forçada de pessoas durante um conflito é classificada pelo Direito Internacional Humanitário como um crime de guerra. A transferência forçada de crianças, particularmente, configura um ato genocida. No caso da guerra da Ucrânia, tais denúncias surgiram ainda nos primeiros dias de combate e desde então vêm aumentando.

Em junho de 2022, menos de quatro meses após a invasão russa, a então alta comissária da ONU (Organização das Nações Unidas) para os direitos humanos, Michelle Bachelet, disse que seu escritório investigava tais alegações. Ela destacou a suspeita de que crianças ucranianas órfãs vinham sendo adotadas por famílias russas sem o devido procedimento legal e citou relatos de que a Rússia estava “modificando a legislação existente para facilitar o andamento das adoções” em Donetsk e Luhansk. 

Em fevereiro de 2023, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, usou a palavra “genocídio” para definir a abdução de crianças ucranianas durante a guerra. Ele se manifestou em mensagem de vídeo exibida em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

“O crime mais assustador é que a Rússia rouba crianças ucranianas”, disse Kuleba no evento realizado em Genebra, na Suíça, acrescentando que tais ações constituem “provavelmente a maior deportação forçada da história moderna”. E sentenciou: “Este é um crime genocida.”

A denúncia foi reforçada por Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha. “O que poderia ser mais desprezível do que tirar as crianças de suas casas, longe de seus amigos, de seus entes queridos?”, questionou ela na mesma sessão do Conselho.

A chefe da diplomacia alemã citou o caso de 15 crianças que teriam sido levadas de Kherson ainda no início da guerra, sendo que a mais jovem tinha nove anos à época. “Não vamos descansar até que todas essas crianças estejam em casa”, afirmou a ministra. “Porque os direitos das crianças são direitos humanos, e os direitos humanos são universais.”

Tags: