‘Navalny’ leva Oscar de melhor documentário e gera reações distintas na Rússia

Enquanto oposicionistas celebram a consagração da obra, mídia estatal ignora solenemente a premiação norte-americana

O documentário ‘Navalny‘, uma produção feita a partir de uma parceria entre CNN Films e HBO Max e dirigido pelo canadense Daniel Roher, levou o Oscar de melhor documentário na cerimônia realizada domingo (12) em Los Angeles. As informações são do jornal Guardian.

Enredo não faltou, já que a obra investiga o atentado à vida de Alexei Navalny, principal opositor do Kremlin e que foi envenenado com novichok em 2020, durante uma viagem à Sibéria, e preso assim que retornou à Rússia após se recuperar em Berlim, em janeiro de 2021.

Roher dedicou a estatueta da Academia ao protagonista do documentário e a todos os presos políticos do mundo.

“Alexei Navalny, o líder da oposição russa, permanece em confinamento solitário pelo que ele chama, e quero ter certeza de que suas palavras estão corretas, ‘a injusta guerra de agressão de Vladimir Putin na Ucrânia‘”, disse o diretor.

Alexei Navalny, político russo que faz oposição ao presidente Vladimir Putin (Foto: reprodução/festival.sundance.org)

E acrescentou: “Alexei, o mundo não esqueceu sua mensagem vital para todos nós. Não devemos ter medo de nos opor a ditadores e autoritarismo onde quer que eles surjam”.

Também presente na cerimônia, a esposa de Navalny, Yulia Navalnaya, disse que seu marido está na prisão apenas por dizer a verdade. “Preso apenas por defender a democracia. Alexei, estou sonhando com o dia em que você será livre e nosso país será livre. Fique forte, meu amor”.

Na Rússia, conhecidos oposicionistas foram às redes sociais para celebrar a premiação. Entre eles Mikhail Khodorkovsky, um ex-magnata do petróleo conhecido por fazer duras críticas ao Kremlin e que ficou preso por uma década por desafiar Putin.

“Parabéns aos colegas pelo Oscar pelo filme Navalny! Espero que isso ajude Alexei a sobreviver”, escreveu em sua conta no Twitter.

Mikhail Fishman, um popular jornalista liberal russo e cineasta, descreveu Navalny como um “herói” e pediu sua libertação.

“Navalny recebeu um Oscar porque ele é um herói e porque ainda não está próximo o dia em que ele será libertado da prisão. Mas esse dia certamente chegará. Liberdade para Navalny! Liberdade para todos nós!”.

Já a mídia estatal ignorou solenemente a premiação. “Channel One, Russia 1 e NTV não mencionaram a cerimônia do Oscar em suas transmissões matinais hoje”, segundo a revista Newsweek. Isso já havia acontecido quando ‘Navalny’ ganhou outros prêmios no início deste ano.

A NTV não deu importância ao Oscar nem em sua editoria de entretenimento. O destaque foi o aniversário de 65 anos da atriz Sharon Stone, comemorado no dia 10 de março.

Outro meios de comunicação online russos trouxeram notícias sobre o Academy Awards, porém, sem mencionar o melhor documentário da edição 2023.

Por que isso importa?

Navalny ganhou destaque ao organizar manifestações e concorrer a cargos públicos na Rússia. A rede dele chegou a ter 50 sedes regionais em toda a Rússia e, entre outras ações, denunciava casos de corrupção envolvendo o governo Putin e figuras importantes ligadas a ele. Isso levou o Kremlin a agir judicialmente para proibir a atuação do rival, que também passou a ser perseguido.

Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, Navalny foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Ele voltou a Moscou em 17 de janeiro de 2021 e foi detido no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado a dois anos e meio de prisão por violar uma sentença suspensa de 2014, sob acusação de fraude. Promotores alegaram que ele não se apresentou regularmente à polícia em 2020, justamente quando estava em coma pela dose tóxica.

Encarcerado em uma colônia penal de alta segurança, ele chegou a fazer uma greve de fome de 23 dias em abril de 2021, para protestar contra a falta de atendimento médico. Depois, em junho, um tribunal russo proibiu os escritórios regionais de Navalny e sua Fundação Anticorrupção (FBK) de funcionarem, classificando-os como “extremistas”.

Em janeiro deste ano, ele foi incluído na lista de “terroristas e extremistas” do Serviço Federal de Monitoramento Financeiro da Rússia. No dia 22 de março, foi julgado por peculato e desacato. Condenado, teve o tempo de detenção ampliado em nove anos. Nos últimos meses, ele relatou que novos crimes lhe foram imputados, podendo ampliar a detenção para até 30 anos.

De acordo com uma postagem feita no Twitter pela equipe dele, as novas acusações incluem os crimes de promover o terrorismo, apelar publicamente ao extremismo, financiar atividades extremistas e reabilitar o nazismo. Elas estariam relacionadas a vídeos publicados pela equipe no canal de Navalny no YouTube.

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