As universidades do Reino Unido receberam, nos últimos anos, muito mais dinheiro da empresa chinesa Huawei do que se supunha anteriormente. Um levantamento publicado na semana passada indica que uma quantia extra de 28,7 milhões de libras foi destinada a nove das maiores instituições de ensino superior pela gigante chinesa da tecnologia, de acordo com a revista semanal britânica The Spectator.
O valor soma-se aos cerca de 40 milhões de libras pagos a 20 universidades pela Huawei e por outras empresas da China, conforme revelou em junho de 2021 o China Research Group (Grupo de Pesquisas da China, em tradução literal), entidade fundada pelos políticos conservadores Tom Tugendhat e Neil O’Brien, cujo objetivo é obter uma “melhor compreensão das ambições econômicas da China e de seu papel global”.
De longe, quem recebeu as maiores doações e bolsas de pesquisa é a Universidade de Cambridge, com 25,7 milhões de libras pagos somente pela Huawei desde 2016.
No caso da universidade de Oxford, o que chama a atenção é o fato de a instituição ter anunciado em 2018 que não receberia mais dinheiro da Huawei. Ainda assim, calcula-se que tenha recebido entre 500 mil e e 2,49 milhões de libras da empresa desde 2016, valores imprecisos porque Oxford não forneceu um balanço oficial. A universidade ainda embolsou entre 2 milhões e 4 milhões de libras em doações do Conselho Escolar Chinês, um braço do Ministério da Educação da China.
Mas o dinheiro não se destina apenas às duas mais prestigiosas universidades britânicas. A Royal College of Art recebeu 104 mil libras da Huawei em abril de 2017, e a Queen Mary University London recebeu 825 mil libras desde outubro de 2018, além de 19 mil libras por ano desde 2016 como contribuição para o financiamento do Instituto Confúcio, afiliado ao Ministério da Educação da China.
A Universidade de Reading ainda não recebeu nenhum financiamento, mas receberá 50,3 mil libras por um contrato de pesquisa de 12 meses firmado com a Huawei em julho de 2021 A Universidade de Cardiff recebeu 1,2 milhão de libras em janeiro, além de 1,49 milhão de libras relatados anteriormente desde janeiro de 2017. A Universidade de Manchester e a King’s College London receberam 174 mil libras e 164 mil libras da empresa de tecnologia chinesa, respectivamente. Cinco outras universidades se recusaram a revelar as informações, alegando sensibilidade comercial.
“Esta é mais uma prova de que seria ótimo para as universidades britânicas serem um pouco mais transparentes sobre as fontes de financiamento de suas pesquisas. É do nosso interesse ter uma imagem melhor de confiança e resiliência quando se trata da China”, disse Julia Pamilih, diretora do China Research Group.
A questão Huawei
A desconfiança global que recai sobre a Huawei se sustenta em teorias sobre sua proximidade com o governo chinês. Autoridades ocidentais citam a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, segundo a qual as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçar particularmente a gigante da tecnologia a trabalhar a serviço do Partido Comunista Chinês (PCC).
Em 2020, parlamentares britânicos afirmaram em um relatório que a Huawei está “fortemente ligada ao Estado e ao PCC, apesar de suas declarações em contrário”. Diante disso, a empresa tem enfrentado crescente desconfiança na construção de redes 5G em todo o mundo, com a implantação rejeitada em vários países. Austrália, Nova Zelândia, Portugal, Índia, EUA e Reino Unido baniram a infraestrutura da companhia por medo de ser usada para espionagem.
As especulações referentes aos produtos de vigilância da Huawei ganharam força no final de 2021 em meio a temores na China e no mundo sobre as consequências do uso maciço do reconhecimento facial e de outros métodos de rastreamento biométrico. E, ao mesmo tempo em que o PCC continua a confiar em tais ferramentas para erradicar a dissidência e manter seu regime de partido único, ele alerta sobre o uso indevido de tecnologias no setor privado.
Em 2021, após pressão de Beijing, a Huawei e outros gigantes da tecnologia foram compelidas a não abusar do reconhecimento facial e de outras ferramentas de vigilância, após uma nova lei de proteção de dados pessoais entrar em vigor. Mas o veto vale apenas para o setor privado. No setor público, o jornal The Washington Post revelou em dezembro que a ligação da Huawei com o aparato chinês de vigilância governamental é maior que o imaginado.
Os dados aparecem em uma apresentação de Power Point que estava disponível no site da empresa e foi removida. Repleto de itens “confidenciais”, o arquivo mostra como a tecnologia da empresa pode ajudar Beijing a identificar indivíduos por voz, monitorar pessoas de interesse, gerenciar reeducação ideológica, organizar cronogramas de trabalho para prisioneiros e rastrear compradores através do reconhecimento facial.
Por que isso importa?
No início de dezembro de 2021, Richard Moore, chefe da agência SIS (Serviço Secreto de Inteligência, da sigla em inglês), o popular MI6, afirmou que Beijing é a prioridade número um do governo britânico no que tange a inteligência e segurança nacional. À época, ele classificou a China como um “Estado autoritário” e destacou a capacidade de os chineses influenciarem decisões políticas em todo o mundo, bem como de silenciarem seus opositores mesmo fora das fronteiras chinesas.
Segundo Moore, a geopolítica global está em transformação devido à disposição de a China afirmar globalmente seu poder. Por um lado, disse ele, é necessário colaborar com Beijing em certas áreas, como “comércio e investimento, vínculos culturais e os desafios transnacionais da mudança climática e da biodiversidade”. Por outro, é primordial aprender a lidar com as “ameaças que vemos emanando do Estado chinês”.
O chefe da inteligência britânica classificou os serviços de inteligência chineses como “altamente capazes” e disse que eles têm atuado para espionar governos, indústria e pesquisas de interesse particular da China. A principal arma da China para influenciar o Ocidente, na visão do britânico, é a tecnologia, usada tanto para desenvolver campanhas de desinformação quanto para acessar dados secretos.
No entanto, o chefe da inteligência britânica disse não considerar a China infalível. Muito pelo contrário. Ele disse que o discurso nacionalista do presidente Xi Jinping é seu maior ponto fraco. “Beijing acredita em sua própria propaganda sobre as fragilidades ocidentais e subestima a determinação de Washington. O risco de erro de cálculo chinês por excesso de confiança é real”, afirmou Moore.