O governo norte-americano tem ampliado o alcance das sanções econômicas impostas a Moscou em função da guerra na Ucrânia. Um dos efeitos disso, registrado nos últimos dias em bancos de ao menos dois países, é o bloqueio do sistema de pagamentos Mir, desenvolvido em 2014 pela Rússia e que funciona em um grupo restrito de países, como Cazaquistão e Belarus.
Na sexta-feira (23), o Uzbequistão anunciou que suspenderia o sistema de pagamentos russo. O Uzcard, um centro uzbeque de processamento interbancário, afirmou que se trata de um “procedimento técnico”, segundo o jornal independente The Moscow Times.
Na Turquia, que está igualmente inserida no Mir, dois bancos já anunciaram a suspensão do serviço, enquanto o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan estuda a melhor maneira de abordar a questão no âmbito federal. “Meus ministros estão conversando sobre as alternativas, estamos analisando as alternativas”, disse o líder turco, de acordo com a rede Voice of America (VOA).
“Cortar o Mir é uma das melhores maneiras de proteger um banco do risco de sanções decorrentes de fazer negócios com a Rússia”, disse um alto funcionário do governo russo que pediu para ter a identidade preservada.
Opções reduzidas
Logo após as sanções impostas à Rússia devido à anexação da Crimeia, em 2014, o Mir surgiu como alternativa ao sistema ocidental SWIFT, que movimenta dinheiro entre bancos de mais de 200 países. Neste ano, com as novas punições decorrentes da invasão da Ucrânia, o Kremlin passou a ampliar o sistema e queria torná-lo global. Inclusive como opção internacional aos sistemas de pagamento Visa e Mastercard, que encerraram suas operações russas.
A emissão de cartões inseridos no sistema Mir tem aumentado exponencialmente na Rússia, e dados divulgados em abril falavam em mais de cem milhões de unidades emitidas. Somente entre o final de 2021 e março de 2022, o NSPK (Sistema Nacional de Pagamento com Cartão, da sigla em russo) diz ter emitido dois milhões de cartões para uso doméstico.
Dentro da Rússia, o Mir garante que os cidadãos locais não tenham problemas para realizar seus pagamentos corriqueiros. Para pagamentos no exterior, porém, o desafio é cada vez maior, um efeito das sanções ocidentais. Foram suspensas inclusive as operações da bandeira chinesa de cartões de crédito Union Pay, até então uma opção global para o turista russo.
O próprio banco central da Rússia admitiu, na semana passada, que tem enfrentado “dificuldades” para expandir o sistema Mir. E a tendência é a de que ele se torne cada vez mais restrito, conforme o Tesouro norte-americano aumenta a pressão inclusive sobre os países na esfera de influência do Kremlin.
Por que isso importa?
Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, mais de mil empresas ocidentais deixaram de operar em território russo, seja de maneira temporária ou definitiva, parcial ou integral. São companhias que querem evitar o risco de desobedecer as sanções ocidentais, ou mesmo a reação negativa da opinião pública caso continuem a lucrar no mercado russo. O levantamento foi feito pela Universidade de Yale, nos EUA.
A debandada tem prejudicado o consumidor local, privado de produtos de setores diversos, como entretenimento, tecnologia, automobilístico, vestuário e geração de energia.
No setor de alimentação, o McDonald’s recentemente vendeu seu negócio no país a um empresário russo. Ao fim do ano passado, a rede tinha 847 lojas no país. Diferente do que ocorre no resto do mundo, onde habitualmente atua no sistema de franquias, 84% das lojas russas eram operadas pela própria companhia. Somado ao faturamento na Ucrânia, a operação respondia por 9% da receita global da empresa.
Duas importantes cervejarias da Europa, a holandesa Heineken e a dinamarquesa Carlsberg, também anunciaram que venderiam seus negócios e deixariam de atuar na Rússia. Os planos da empresa da Holanda incluem manter o pagamento de seus funcionários até o final do ano, período no qual buscará um comprador, bem como vender o negócio sem margem de lucro. Já a companhia da Dinamarca diz que seguirá em funcionamento, mas com uma operação em pequena escala, até ser vendida.
Uma decisão que já causou problemas foi o fim dos serviços das companhias de cartões de crédito Mastercard e Visa. O maior banco estatal da Rússia, o Sberbank, disse que o impacto na rotina doméstica dos cidadãos seria pequeno e assegurou que ainda é possível “sacar dinheiro, fazer transferências usando o número do cartão e pagar em lojas russas offline e online”, de acordo com a rede britânica BBC.
A tendência é a de que os consumidores russos possam usar os cartões normalmente até que percam a validade e, depois disso, não recebam novos plásticos. Entretanto, os cartões emitidos na Rússia já deixaram de ser aceitos no exterior. Isso atrapalhou, por exemplo, turistas que ficaram impedidos de deixar a Tailândia, por problemas com voos cancelados e cartões bloqueados.
No setor de vestuário, quem anunciou estar deixando o mercado russo é a Levi’s, sob o argumento de que quaisquer considerações comerciais “são claramente secundárias em relação ao sofrimento humano experimentado por tantos”. Nike e Adidas também suspenderam todas as operações no mercado russo. A sueca Ikea, gigante do setor de móveis, é outra que decidiu deixar a Rússia em função da guerra.
Nas áreas de entretenimento e tecnologia, alguns gigantes também optaram por suspender as vendas de produtos e serviços no país de Vladimir Putin. A Netflix interrompeu seus serviços e cancelou todos os projetos e aquisições na Rússia, enquanto Warner, Disney e Sony adiaram os lançamentos de suas novas produções no país. Já a Apple excluiu os aplicativos das empresas estatais russas de mídia RT e Sputnik e disse que não mais venderá seus produtos, como iPhones e iPads, em território russo. Panasonic, Microsoft, Nokia, Ericsson e Samsung são outras que optaram por encerrar as operações no país.