China intensifica vigilância sobre consulados estrangeiros em Hong Kong

Governo coleta informações de todos os residentes no território que trabalham para missões diplomáticas de outros países

O governo da China apertou ainda mais o cerco contra as missões diplomáticas estrangeiras em Hong Kong. Todos os consulados, bem como a missão da União Europeia (UE), foram instados a entregar a autoridades locais os dados de seus funcionários que são residentes no território. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

“Os Postos Consulares e o Gabinete da União Europeia são solicitados a preencher este formulário para cada pessoal contratado localmente e enviá-lo ao Secretariado do Governo, Divisão de Protocolo, no prazo de 15 dias a contar do início do envolvimento”, diz a carta enviada pelo governo às missões.

À agência Reuters, o Ministério das Relações Exteriores da China, que considera Hong Kong como seu território, afirmou que a medida “está em linha com a prática consuetudinária internacional” e que “os consulados chineses estacionados no exterior também fornecem informações dos funcionários locais ao país anfitrião, de acordo com as exigências do governo local.”

Policiais de Hong Kong em serviço (Foto: WikiCommons)

Entretanto, Benson Wong, analista político especializado em Hong Kong, diz que tal prática “não é comum” e tende a ser encarada como um ato hostil. Ele acrescenta que isso tende a afugentar inclusive investidores, destacando que “empresas estrangeiras estão se retirando de Hong Kong uma após a outra e têm medo de investir em Hong Kong.”

Simon Cheng, ex-funcionário do Consulado Geral Britânico em Hong Kong, reforça a desconfiança e diz que a prática é recente. “Eles geralmente exigiam apenas que diplomatas com imunidade diplomática e seus familiares se registrassem. Agora, esse escopo foi ampliado para incluir os residentes locais”, afirmou.

Segundo ele, é uma “tendência de piora”, dizendo que a medida pode ser encarada como uma tentativa de “facilitar a localização de alvos que eles acreditam ser uma ameaça à segurança nacional.”

A medida não é a primeira a gerar desconfiança nas missões estrangeiras no território. Em outubro do ano passado, o jornal Financial Times revelou que a China vinha exigindo as plantas baixas de todas as propriedades alugadas por missões estrangeiras em Hong Kong, gerando receio quanto à segurança dos funcionários.

Os episódios recentes ampliam entre os estrangeiros o sentimento de insegurança, com Hong Kong sob a lei de segurança nacional, imposta por Beijing após uma onda de insatisfação ter instigado a população a sair às ruas. A normativa legal criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”.

Mais recentemente, Zheng Yanxiong, enviado de Beijing a Hong Kong, deixou claro que o Partido Comunista Chinês (PCC) tem intensificado a vigilância sobre cidadãos e governos externos. Durante evento de graduação de novos agentes de polícia, ele recomendou aos formandos que ficassem atentos a “forças estrangeiras hostis.”

“Penso que isto também é um aviso. É como dizer que as pessoas que trabalham ou servem forças estrangeiras devem ter cuidado com o que fazem ou dizem”, disse Cheng, que chegou a ser preso pelas autoridades chinesas em 2019, acusado de ser um espião a serviço do Reino Unido. Ele acabou solto e hoje vive em Londres, para onde conseguiu fugir.

Segundo ele, as recentes medidas deixam claro que as diferenças entre a China continental e Hong Kong praticamente não existem mais. e concorda que isso prejudica a imagem do território, que deixa de ser visto como uma ponte entre Beijing e o resto do mundo.

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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