Hong Kong usará milhares de câmeras para aumentar a vigilância sobre seus cidadãos

Sistema de identificação facial está nos planos do governo, que teria assim mais uma arma para perseguir os dissidentes

O governo de Hong Kong anunciou nesta semana a implantação de cerca duas mil novas câmeras de vigilância nas ruas do território, medida que tende a aumentar a vigilância estatal sobre os cidadãos. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

As câmeras, que têm a capacidade de usar tecnologia de reconhecimento facial, são uma importante arma chinesa de vigilância e repressão. Oficialmente, entretanto, o argumento para adoção dos aparelhos é o de “prevenir o crime e monitorar a segurança pública e a ordem pública.”

Em se tratando de Hong Kong, no entanto, o argumento não convence. Até porque o anúncio surge em meio aos debates para implantação de uma nova lei de segurança nacional no território, sendo esta a principal ferramenta legal das autoridades para silenciar os dissidentes.

Câmera estão entre as mais importantes armas de vigilância estatal da China (Foto: WikiCommons)

A lei em vigor, imposta pela China e que será substituída, foi uma resposta autoritária às manifestações populares que em 2019 pediram por democracia em Hong Kong. Não por acaso, em meios aos protestos houve muitos ataques contra postes de iluminação inteligentes, sob argumento de que eles continham tecnologia de identificação facial usada para viabilizar a perseguição aos cidadãos.

De acordo com o comissário de polícia Raymond Siu, as primeiras 600 novas câmeras serão instaladas já em março, com as demais entrando em operação até o final do ano. Ele não escondeu a possibilidade de que o sistema de reconhecimento venha a ser adotado, segundo o jornal South China Morning Post.

Porém, mesmo o governo admite que a tecnologia é polêmica. Um documento que detalha o projeto de instalação das novas câmeras diz que o reconhecimento facial “deve ser apoiado por uma forte justificação”, pois “não é normalmente esperado pelo público.” E acrescenta que o ideal é priorizar alternativas “menos invasivas à privacidade.”

Ouvido pela RFA, Alric Lee, diretor da ONG de direitos civis Aliança Japonesa para a Democracia de Hong Kong, diz que as câmeras permitiriam ao governo armazenar dados biométricos em um ritmo que seria impossível sem a invasiva tecnologia. Ao adotarem tal sistema em comunhão com a lei de segurança nacional, as autoridades teriam “uma nova ferramenta para processos judiciais.”

Shih Chien-yu, pesquisador de segurança nacional de Taiwan, diz que cada vez mais o governo implanta em Hong Kong o sistema de vigilância adotado na China. Em particular na região de Xinjiang, onde as câmeras são arma fundamental na repressão aos uigures.

“Essas câmeras podem girar 360 graus, e o uso da tecnologia de IA (inteligência artificial) cobrirá basicamente todos os grupos de pessoas e todos os tipos de atividades”, disse Shih. “Há aqui uma forte mensagem simbólica, que é alertar os habitantes de Hong Kong para pararem de pensar na democracia ou em se levantar, resistir ou falar abertamente.”

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa de 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente chinês Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada.”

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