Alemanha condena seguidora do EI que ajudou o marido a escravizar e estuprar jovem

A ré, identificada somente como Nadine K, pegou nove anos de prisão sob a acusação de ter cometido crime contra a humanidade

Um tribunal da cidade de Koblenz, na Alemanha, condenou na quarta-feira (21) uma cidadã alemã de 37 anos julgada por crimes contra a humanidade quando servia ao Estado Islâmico (EI). Ela ajudou o marido, também seguidor do grupo extremista, a escravizar e estuprar uma jovem de 21 anos. As informações são do jornal The Washington Post.

A ré foi identificada apenas como Nadine K, uma alemã que se casou com o marido sírio em julho de 2013 e se converteu ao Islamismo. O casal viajou à Síria em 2014, onde o homem passou a trabalhar como médico antes de ambos se juntarem voluntariamente ao EI.

A vítima, que até então vinha tendo a identidade mantida em sigilo, concedeu uma entrevista à rede Sky News e permitiu que seu nome fosse revelado. Naveen Al pertence à comunidade étnico-religiosa curda dos yazidis, que foram massacrados pelo EI quando este assumiu o controle do Iraque em 2014.

O massacre dos yazidis, que em janeiro deste ano o Parlamento alemão classificou como genocídio, levou milhares de mulheres da comunidade a serem raptadas por combatentes do EI. Naveen foi uma dessas vítimas, levada por Nadine K e o marido dela em 2016, quando já viviam no Iraque.

Integrantes dos exércitos dos EUA e do Iraque exibem bandeira do Estado Islâmico (Foto: Flickr)

Naveen testemunhou durante o julgamento, e o depoimento dela foi crucial para a condenação. De acordo com os promotores, “o homem estuprou e espancou regularmente a vítima, o que Nadine K. conhecia”. Por sua vez, o juiz disse ao anunciar a sentença que a ré “poderia e deveria ter feito alguma coisa”, daí a condenação.

O casal só libertou a mulher em 2019, quando fechou-se o cerco contra o EI na Síria. Eles foram detidos pelas forças sírias, sendo que o paradeiro do homem hoje é desconhecido. Já Nadine K retornou à Alemanha em março de 2022 e foi presa.

Naveen, que em 2019 conseguiu retornar ao convívio da família, é representada pela proeminente advogada de direitos humanos Amal Clooney, que celebrou a sentença. “Atingimos esses marcos por causa da bravura de sobreviventes como a minha cliente, que foram estupradas e escravizadas pelo EI, mas estavam determinadas a enfrentar seus agressores no banco dos réus”, disse ela em comunicado.

A vítima, por sua vez, disse que a condenação deve ser celebrada por toda a comunidade yazidi. “É verdade que ela me torturou sozinha. Mas, como uma garota yazidi, quando ela me violou, ela violou todos os yazidis. Eles sentiram a dor quando eu estava na prisão. É importante para todos os yazidis que um Daesh (sigla em árabe que identifica o EI) seja colocado na prisão.”

Por que isso importa?

Embora ainda seja relevante no cenário extremista global, o EI tem se enfraquecido financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.

Em fevereiro de 2022, o grupo sofreu mais um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, principal líder da facção. Durante operação antiterrorismo dos EUA na Síria, ele explodiu uma bomba que carregava junto ao corpo, matando também mulheres e crianças que o acompanhavam. Já o sucessor dele, Abu al-Hassan al-Hashimi al-Qurashi, foi morto em outubro, segundo anunciou o próprio grupo.

De acordo com um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em fevereiro do ano passado, as perdas territoriais e de pessoal transformaram o EI, que antes controlava boas partes da Síria e do Iraque, em “uma insurgência principalmente rural, resistindo à pressão antiterrorista sustentada pelas forças da região”.

A pandemia também foi um desafio, pois impedia as “viagens transfronteiriças, diminuindo as ameaças decorrentes de fluxos de combatentes em zonas de conflito e viagens terroristas mais amplas em zonas de não conflito”. Por outro lado, a estagnação do terrorismo em meio à onda de Covid-19 aumentou as “oportunidades de recrutamento e radicalização online”, criando a perspectiva de uma retomada futura das ações extremistas globais.

Um risco que o grupo ainda oferece é a presença de milhares de ex-combatentes em prisões e campos de deslocados em várias partes do mundo. Devolvê-los às nações de origem e processá-los judicialmente é um desafio para os Estados-Membros da ONU, e os estabelecimentos que abrigam os extremistas são um potencial alvo de ataques para o EI. Exatamente como ocorreu na prisão de Ghwayran, na cidade de al-Hasakah, na Síria, invadida pelo grupo com a meta de libertar seguidores.

“Devido à capacidade severamente degradada, a sobrevivência futura do EI depende de sua capacidade de reabastecer as fileiras por meio de tentativas mal concebidas, como o ataque a Hasakah”, afirmou o major-general norte-americano John W. Brennan Jr., comandante da força de coalização liderada pelos EUA para combater o EI. Segundo ele, a ação na prisão síria gerou enorme prejuízo ao grupo terrorista, que “sentenciou à morte muitos dos seus que participaram deste ataque”.

Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar sua retomada de força. No Sudeste Asiático, ao contrário, os países da região têm obtido sucesso significativo em interromper o terrorismo de facções afiliadas.

No Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista Veja mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os recentes anúncios do Tesouro causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

Tags: