Artigo publicado originalmente no Jornal da USP (Universidade de São Paulo).
*por Fábio Augusto Reis Gomes, Sérgio Sakurai e Gian Paulo Soave, professores dos Departamentos de Economia da USP e UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Em economia, o “multiplicador dos gastos do governo” mensura a capacidade do governo de estimular a atividade econômica por meio de aumento de suas despesas. Um multiplicador maior do que um indica que a política expansionista de gastos governamentais pode ajudar a economia a se recuperar mais rapidamente de uma recessão.
Ao contrário, se tal multiplicador for menor do que um, a política de expansão dos gastos poderia induzir uma redução da atividade econômica no setor privado, levando a sociedade a uma situação potencialmente pior do que aquela anterior ao aumento da despesa pública.
Pesquisas recentes sobre países avançados indicam que o multiplicador do gasto do governo tende a ser menor do que um em situações normais, porém maior do que um em momentos de crise. Assim, durante maus momentos, o aumento do gasto do governo seria uma política pública com potencial para acelerar a recuperação da economia. Deveríamos esperar o mesmo padrão em países emergentes?
A resposta não é, de modo algum, óbvia, uma vez que a estrutura político-macroeconômica de economias emergentes é bastante distinta daquelas observadas em economias avançadas.
Para citar um exemplo, ao aumentar seu gasto em meio a uma crise, um país emergente relativamente endividado pode ter sua credibilidade deteriorada no mercado internacional de crédito – aumento do chamado “risco-país” – e, por isso, o investidor internacional exigiria maiores taxas de juros para não haver fuga de investimentos.
Nesse caso, a taxa de juros da economia como um todo sobe, e toda sociedade acaba arcando com juros mais elevados, o que desestimula a atividade econômica. Todavia, esse tipo de efeito não é observado em países ricos, pois tais países conseguem tomar empréstimos no mercado de crédito sem precisar elevar consideravelmente suas taxas de juros.
Essa distinção ocorre porque economias emergentes têm maior histórico de calote em suas dívidas públicas, e os mercados internacionais precificam o risco de não reaverem seus investimentos. Além disso, certas crises em países emergentes ocorrem em momentos nos quais os países mais ricos não experimentam crescimento e a volatilidade global (VIX) é elevada.
Tudo isso inibe a demanda externa pela produção dos países emergentes e, ainda, desestimula o setor privado interno. Assim, é possível que o multiplicador dos gastos do governo seja menor do que um em economias emergentes, especialmente em momentos de crises.
Para analisar empiricamente tal questão, estudamos 17 países emergentes no período de 1994 a 2017, e, de fato, encontramos resultados distintos daqueles obtidos pela literatura para economias avançadas.
Estimamos que o multiplicador do gasto do governo em países emergentes é sempre menor do que um, e, particularmente, nos maus momentos eles podem ser nulos. Nessa perspectiva, a eficácia da política fiscal para estimular a economia seria questionável em países emergentes, particularmente em momentos de crise.
Em suma, aumentos de gastos do governo tendem a não estimular a economia em países emergentes e, em crises, podem ser contraproducentes.
Nossa pesquisa aponta ainda para potenciais explicações para tais resultados. Em tempos normais, elevações dos gastos do governo não parecem afetar a taxa de juros real.
Contudo, durante crises, aumentos desses gastos desencadeiam um aumento da taxa de juros, o que aumenta o custo do consumo das famílias e do investimento das empresas e, além disso, podem ocasionar preocupações quanto à solvência do governo.
Somados, tais efeitos levam a uma resposta agregada negativa do setor privado. Esses impactos são distintos daqueles observados nos países ricos, onde há melhor arranjo institucional, maior oferta de crédito e a política fiscal inspira maior credibilidade.
Uma palavra final. Em função da defasagem na disponibilização de dados agregados e do momento de realização desta pesquisa, o período analisado não engloba o da crise atual. Em particular, no momento, não temos em ação o canal de aumento dos juros, o que melhora a perspectiva do impacto dos gastos do governo.
De todo modo, os resultados da literatura como um todo indicam que economias avançadas – com melhores fundamentos econômicos – têm mais instrumentos (ou instrumentos mais eficazes) para lidar com maus momentos da economia.
A organização da economia demanda sacrifícios, mas melhora nossas possibilidades futuras, tanto de evitar crises quanto de se recuperar delas mais rapidamente.