Taleban retoma antigas práticas repressivas e isola globalmente o Afeganistão

Analistas projetam mais decretos draconianos, restabelecendo-se um Estado regido pela interpretação extrema da lei islâmica

Políticas repressivas vêm reforçando a postura radical do Taleban, contrariando a promessa de moderação feita à comunidade global quando a organização jihadista tomou o poder no Afeganistão, em agosto de 2021. Em meio a um cenário de autoritarismo, fundamentado por uma abordagem radical da lei islâmica, a “Sharia”, e a segregação de gênero, a perspectiva de reconhecimento e assistência internacional tem se esvaído. As informações são da rede Radio Free Europe

Recentemente, o Taleban trouxe de volta punições corporais, incluindo açoitamentos públicos. Os militantes também intensificaram os ataques aos direitos das mulheres – elas têm sido o principal alvo –, incluindo a proibição de frequentarem a universidade. Na visão de observadores internacionais, a tendência é de piora, considerando que novos decretos devem surgir.

“É muito provável que o Taleban imponha cada vez mais medidas repressivas”, disse Weeda Mehran, codiretora do Centro de Estudos Internacionais Avançados (CAIS, da sigla em inglês) da Universidade de Exeter. “Esta tendência foi estabelecida”.

Após o colapso do governo afegão, poder foi totalmente preenchido pelo Taleban (Foto: WikiCommons)

Nos últimos 16 meses, o Taleban impôs dezenas de restrições à aparência das mulheres, liberdade de movimento e seu direito de trabalhar e receber educação.

Em setembro do ano passado, um mês após assumir o poder, o Taleban havia determinado a segregação de gênero em universidades e faculdades privadas. Decreto do Ministério da Educação estabeleceu que as classes fossem separadas por gênero, ou pelo menos divididas por uma cortina.

A repressão aumentou em outubro deste ano, quando o Taleban impôs restrições às milhares de meninas e mulheres afegãs autorizadas a prestar vestibular. Ela foram impedidas de se inscrever em diversas graduações, entre elas jornalismo, medicina, engenharia, economia e ciências sociais. Agora, em dezembro, proibiu completamente as mulheres de frequentar a universidade.

O governo extremista também mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas acima da sexta série, sob o argumento de que as escolas só serão reabertas quando os radicais tiverem a certeza de um “ambiente seguro”.

Violência

A violência física também está de volta para castigar condenados por crimes, com punições corporais reintroduzidas nas últimas semanas. O adultério é punido com açoitamento ou apedrejamento até a morte. O roubo é punível com a amputação de uma mão e um pé. Beber álcool e falsa acusação são puníveis com 40 ou 80 chicotadas.

No último dia 7, um homem foi executado publicamente no oeste do país. A pena capital marcou o primeiro evento desse tipo desde a retomada do poder pelos jihadistas. A execução contou com a presença dos principais líderes talibãs.

As punições públicas ocorreram logo depois que o líder supremo da organização, mulá Haibatullah Akhundzada, ordenou que os tribunais do grupo empregassem interpretações estritas da Sharia, que prescreve punições como apedrejamento, execução, amputação e chicotadas públicas. Punições semelhantes estiveram presente no governo anterior, que se estendeu de meados dos anos 1990 até o começos dos anos 2000.

“A única razão pela qual o Taleban originalmente não implementou suas políticas draconianas no mesmo nível e extensão de seu primeiro regime na década de 1990 foi porque o grupo estava competindo por reconhecimento internacional, ajuda e comércio”, acrescentou Mehran. 

Analistas preveem que o Taleban deve impor ainda mais restrições em 2023, deteriorando os direitos das mulheres, expandindo a repressão à dissidência, capacitando sua polícia de moralidade para impor decretos à força e ampliando a práticas de punições corporais.

Na visão de Haroun Rahimi, um acadêmico afegão que pesquisa a lei islâmica, o Taleban está caminhando para um “maior uso da codificação”.

“A tendência recente certamente foi uma mudança de uma abordagem mais laissez-faire (uma expressão francesa que significa literalmente “deixar fazer”) para uma aplicação mais controlada do que o Taleban considera princípios islâmicos”, disse Rahimi.

Por que isso importa?

Quinze meses depois de o último soldado do Ocidente ter apagado a luz e fechado a porta, o êxito talibã levou o Afeganistão de uma crise humanitária para a catástrofe.

O pior cenário é o de mulheres e meninas, que se tornou precário no período em análise. O governo talibã tem na repressão de gênero uma de suas mais autoritárias marcas. Elas não podem estudar, trabalhar e nem sair de casa desacompanhada de um homem. Aliás, a perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã. Há também inúmeros casos de solteiras ou viúvas que foram forçadas a se casar com combatentes.

A população em geral ainda sente a mão pesada dos jihadistas em execuções extrajudiciais, tortura, maus-tratos, prisões, detenções arbitrárias e ruptura de liberdades fundamentais. 

A censura talibã atingiu até mesmo a arte. “A música é proibida, de acordo com o Islã”, justificou o porta-voz da organização Zabihullah Mujahid, que a enxerga como “pecaminosa”. Devido à intolerância dos talibãs ao gênero artístico, integrantes do Instituto Nacional de Música do Afeganistão (Anim) e da Orquestra de Mulheres Afegãs Zohra tiveram de deixar o país

O jornalismo afegão também foi sufocado pelo Taleban. Segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e a Associação de Jornalistas Independentes do Afeganistão (AIJA), 231 veículos de imprensa foram fechados e mais de 6,4 mil jornalistas perderam o emprego no país.  

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