Duas entidades humanitárias de defesa dos direitos uigures usaram a Justiça da Argentina para ingressar com uma ação contra o governo da China, na quarta-feira (17). Elas alegam que Beijing comete genocídio e crimes contra a humanidade na região de Xinjiang, onde vive a minoria étnica uigur. As informações são da rede Radio Free Asia.
A ação judicial foi aberta em nome de dois grupos: World Uyghur Congress (Congresso Mundial Uigur, da sigla WUC), com sede na Alemanha, e o Uyghur Human Rights Project (Projeto Uigur de Direitos Humanos, da sigla UHRP), com sede nos EUA.
A firma de advocacia britânica Justice Abroad (Justiça no Exterior, em tradução literal) ingressou com a ação através dos advogados argentinos Gabriel Cavallo e Juan Nieto, aproveitando-se da disposição constitucional da jurisdição universal. Por ela, tribunais locais são capacitados para julgar casos internacionais que envolvam crimes como genocídio, tortura e crimes contra a humanidade, mesmo se cometidos no exterior.
“Este é um momento histórico para o povo uigur e sua busca por justiça pelos crimes internacionais mais horrendos cometidos contra eles pelas autoridades chinesas”, disse o advogado de direito internacional Michael Polak, diretor da Justice Abroad.
Segundo Polak, ações como esta visam a suprir a lacuna deixada pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), impedido de estabelecer cortes internacionais contra Beijing devido aos vetos da China e da Rússia.
“O mantra ‘nunca mais’ ou ‘nunca más‘ (em espanhol) foi repetido por muitos anos”, afirmou o diretor, referindo-se à expressão usada para contestar crimes cometidos pelo Estado, em particular os da ditadura argentina. “Mas temos um genocídio e crimes contra a humanidade sendo cometidos contra um grupo religioso e étnico em 2022, na tentativa de roubar dos uigures sua rica cultura e identidade”.
Se for aberto um processo contra os acusados, a Justiça argentina poderia convocar testemunhas para depor sob juramento. “Isso marcaria uma oportunidade histórica para o povo uigur e a primeira vez que a evidência das atrocidades cometidas contra eles é apresentada em um tribunal”, disse a Justice Abroad em comunicado.
“Nosso caso demonstra que não há onde se esconder para regimes responsáveis por crimes de atrocidade”, disse Omer Kanat, diretor executivo do UHRP.
Por que isso importa?
A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.
Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.
Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.
O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.
A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele, referindo-se a sanções comerciais impostas a empresas e produtos de Xinjiang como represália pelos abusos.