Na China, uigures foram proibidos de rezar mesmo dentro das próprias casas

Proibição imposta no Ramadã abriu exceção a cidadãos acima dos 60 anos, mas eles fizeram as orações sob vigilância policial

Os uigures, uma minoria étnico-religiosa de fé islâmica que vive principalmente na região de Xinjiang, é alvo de perseguição por parte do governo da China, com alegações de genocídio partindo de governos estrangeiros e entidades humanitárias. Como parte da repressão, durante o recente feriado do Eid al-Fitr, que fecha o mês sagrado do Ramadã, eles foram proibidos por Beijing de fazer orações inclusive dentro das próprias casas. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

O Eid al-Fitr, que neste ano foi celebrado entre 20 e 21 de abril, é o feriado mais importante do Islamismo, uma celebração que reúne as famílias para orar e compartilhar uma tradicional ceia. Para o governo chinês, entretanto, a data significa aumento da vigilância sobre os uigures, sob o argumento de combater o “extremismo religioso”.

Durante o feriado, as orações foram permitidas somente em mesquitas determinadas por Beijing e mediante regras rigorosas. Apenas pessoas acima dos 60 anos receberam autorização para entrar nos templos, onde foram mantidas sob constante vigilância policial.

“Nossos policiais foram à mesquita para observar as pessoas”, admitiu um funcionário da cidade de Yarkowruk, cuja identidade não foi revelada porque ele não tinha autorização para falar. “Não sei se as pessoas precisavam de permissão para ir à mesquita porque eu não fui lá”.

A mesma fonte contou que pessoas com menos de 60 anos foram orientadas a não se dirigir ao templo religioso. Dentro das residências uigures não foram abertas exceções, e qualquer encontro com fins religiosos foi proibido pelas autoridades.

Devido à repressão religiosa, uigures ouvidos pela reportagem contam que precisaram cancelar a tradicional celebração em família, inclusive a ceia. “Não houve oração do Eid al-Fitr aqui. Foi silencioso”, contou uma mulher que por segurança pediu anonimato.

Mercado muçulmano em Xinjiang, frequentado pela minoria uigur (Foto: Maxpixel/Divulgação)
Por que isso importa?

Nos últimos anos, Beijing tem intensificado o controle sobre a religião no país, parte de um processo de “sinicização” da fé. No início de dezembro de 2021, no Encontro Nacional Sobre Assuntos Religiosos do Partido Comunista Chinês (PCC), o presidente chinês Xi Jinping havia deixado clara a intenção de colocar a religião sob o guarda-chuva da sigla.

“Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse o líder nacional no evento.

O principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste do país, fazendo fronteira com nações da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.

O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também adotaram a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.

Em agosto de 2022, a ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.

O governo chinês refuta as acusações e classifica como “campos de reeducação” as áreas onde vivem milhões de uigures. O argumento para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de evitar a radicalização dos fiéis.

Zhao Lijian, ex-porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, chegou a afirmar que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”.

Ele condenou as sanções econômicas impostas pelo governo norte-americano a empresas de todo o mundo que usem produtos ou matérias-primas provenientes de Xinjiang. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.

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