Papa diz que observa ‘atenta e ativamente’ a situação ‘complexa’ dos fieis na China

Manifestação do pontífice, no domingo, ocorre dias depois de a polícia de Hong prender o cardeal católico Joseph Zen

O papa Francisco manifestou no último domingo (22) sua “proximidade espiritual” em relação aos católicos da China e disse que acompanha “atenta e ativamente a vida e as situações muitas vezes complexas dos fiéis e dos pastores” no país asiático. Embora não tenha citado o caso, a manifestação do pontífice ocorreu dias após a detenção em Hong Kong do cardeal católico Joseph Zen.

“Convido todos vocês a se unirem nesta oração para que a Igreja na China, em liberdade e tranquilidade, viva em efetiva comunhão com a Igreja universal e exerça sua missão de anunciar o Evangelho a todos, e assim oferecer um contribuição positiva para o progresso espiritual e material da sociedade também”, disse o papa, segundo o portal Vatican News.

Francisco falou aos fieis na Praça de São Pedro, no Vaticano, em celebração a 24 de maio, data em que a Igreja Católica comemora o dia de Maria Auxiliadora. O papa destacou que ela é “particularmente querida pelos católicos da China, que veneram Maria Auxiliadora como sua padroeira no Santuário de Sheshan, em Xangai, em muitas igrejas do país e em suas casas”.

Papa Francisco em aparição ao Vaticano, setembro de 2013 (Foto: CreativeCommons/Franco Origlia)
Repressão religiosa

As referências feitas pelo papa à China ocorrem em um momento particularmente tenso da relação entre Beijing e a Igreja. A prisão de Joseph Zen foi o episódio mais recente da repressão religiosa imposta pelo governo chinês, que não se limita ao Catolicismo.

O cardeal católico foi detido no aeroporto de Hong Kong, em 11 de maio, quando embarcava em um voo para a Alemanha. Assim como ele, também foram levados pelas autoridades a cantora Denise Ho, a advogada Margaret Ng e o professor universitário Hui Po-keung. Todos são acusados de “conluio com potências estrangeiras”, devido ao apoio que prestam a manifestantes pró-democracia.

A acusação contra o grupo está relacionada à atuação deles no agora extinto grupo 612 Humanitarian Relief Fund (Fundo de Auxílio Humanitário 612, em tradução literal), que prestava apoio jurídico, psicológico e financeiro a pessoas presas ou feridas nos protestos contra o governo de Hong Kong em 2019. A entidade foi obrigada a interromper suas atividades no ano passado. Eles foram liberados mediante fiança.

Na oportunidade, o Vaticano se manifestou sobre a detenção através de Matteo Bruni, diretor da assessoria de imprensa da Igreja Católica. “A Santa Sé recebeu com preocupação a notícia da prisão do cardeal Zen e está acompanhando o desenvolvimento da situação com extrema atenção”, afirmou ele.

“Sinicização” da fé

Nos últimos meses, Beijing tem intensificado o controle sobre a religião, como parte de um processo de “sinicização” da fé. No início de dezembro de 2021, no Encontro Nacional Sobre Assuntos Religiosos do PCC, o presidente chinês Xi Jinping havia deixado clara a intenção de colocar a religião sob o guarda-chuva da sigla.

“Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse o líder nacional no evento.

Em março deste ano, começou a vigorar no país uma determinação, anunciada também em dezembro, que proíbe entidades e cidadãos estrangeiros de fazerem qualquer tipo de propaganda religiosa online no país. De acordo com as regras, é preciso obter uma licença para divulgar conteúdo religioso online, e somente entidades ou indivíduos sediado na China e reconhecidos pelas leis chinesas têm esse direito, segundo o site South China Morning Post.

De acordo com o pastor Liu Yi, devido à pandemia, muitas religiões a fortaleceram sua atuação online, o que levou Beijing a contra-atacar e treinar os novos censores. “Qualquer um pode postar nas redes sociais, então é por isso que o governo precisa dessas pessoas, para supervisionar isso”, disse o religioso. “Querem que eles monitorem e relatem qualquer atividade religiosa online”.

O treinamento oferecido pelo governo já começou, mas as inscrições seguem abertas. O curso inclui módulos como “pensamento político de Xi Jinping“, “socialismo com características chinesas na nova era“, “valores centrais socialistas” e “comentários importantes do secretário-geral Xi Jinping sobre religião”.

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela “lei de segurança nacional“, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território, enquanto o Reino Unido diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China.

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