Alemanha anuncia prisão de homem suspeito de planejar ataque terrorista na Eurocopa

Prisão ocorreu antes do jogo da seleção alemã, e anúncio foi feito antes da partida da Dinamarca, alvo preferencial de extremistas

Um homem de nacionalidade iraquiana, que vive na Alemanha de forma legal, foi preso na quarta-feira (19) nas proximidades de Stuttgart, acusado de planejar um ataque terrorista que possivelmente teria como alvo a Eurocopa, torneio de futebol entre seleções europeias que ocorre no país. As informações são do jornal The Telegraph.

De acordo com as autoridades alemãs, o indivíduo, identificado apenas como Mahmoud A, vivia no país desde 2022 e era integrante do Estado Islâmico (EI). A cidade de Stuttgart recebeu na quarta, dia da prisão, a partida entre a seleção da casa, a Alemanha, e a Hungria. O anúncio das autoridades, porém, veio somente nesta quinta (20), pouco antes do jogo entre Inglaterra e Dinamarca em Frankfurt.

“Mahmoud A juntou-se à organização terrorista estrangeira Estado Islâmico (EI) no Iraque, o mais tardar em maio de 2016. No período seguinte, também atuou como combatente da organização”, disseram as autoridades alemãs após a prisão. “Depois de entrar na República Federal da Alemanha em outubro de 2022, ele estava pronto para realizar ataques em nome do EI.”

Polícia alemã em ação: segurança ampliada na Eurocopa (Foto: Peace for Afrin/Divulgação)

O governo alemão está em alerta máximo durante a Eurocopa, com o risco de ações terroristas elevado desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, que matou cerca de 1,2 mil pessoas no território israelense e levou a uma resposta dura do Estado judeu. Desde então, mais de 36 mil pessoas foram mortas nas operações militares na Faixa de Gaza, a maioria civis.

A violência inflamou a comunidade árabe e levou grupos extremistas a convocar seus seguidores para que realizem ataques terroristas contra países que apoiam a ofensiva de Israel, sendo os focos centrais os EUA e a União Europeia (UE).

Um grupo que particularmente ganha atenção das autoridades ocidentais é o Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), facção do EI baseada no Afeganistão que está em ascensão. A organização reivindicou o atentado que matou 144 pessoas na casa de espetáculos Crocus City Hall, em Moscou, em 22 de março.

Ataque no futebol europeu

Embora a Europa esteja em alerta desde o início do conflito em Gaza, nem todas as medidas de contraterrorismo foram bem-sucedidas. Em 16 de outubro do ano passado, dois cidadãos suecos foram mortos em Bruxelas, na Bélgica, por um tunisiano que vivia ilegalmente no país e que alegou ter cometido o ato em nome do EI, que confirmou a filiação.

O agressor, Abdesalem Lassoued, morto pela polícia belga, disse que agiu motivado pelo sentimento de vingança devido aos episódios de queima do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, ocorridos na Suécia em 2023. Por isso, os alvos dele foram cidadãos suecos, que visitavam a Bélgica justamente por conta de uma partida de futebol, cenário que poderia se repetir durante a Eurocopa.

A queima do Alcorão, inclusive, coloca a Dinamarca como alvo preferencial do EI no torneio de futebol na Alemanha, vez que o idealizador desse tipo de protesto foi o político sueco-dinamarquês de extrema direita Rasmus Paludan.

Após a detenção desta quarta, Nancy Faeser, ministra do Interior alemã, afirmou que o país está seguro para seguir com a competição. “Nossas autoridades de segurança estão extremamente vigilantes. Elas seguem todas as denúncias e atacam duramente para proteger nosso país”, declarou ela, acrescentando que mais de 22 mil policiais alemães foram mobilizados para a proteger o torneio.

Segundo levantamento do site independente russo Important Stories, ao menos cinco países europeus evitaram ataques coordenados pelo EI-K desde 2023. Um deles foi a própria Alemanha, que em julho de 2023 realizou uma operação conjunta com a Holanda e prendeu terroristas que diziam servir ao grupo afegão. As outras nações que conseguiram frear os planos do grupo foram Áustria, Espanha e França.

Por que isso importa?

Embora o EI-K esteja em evidência, o EI passa por um processo de enfraquecimento que começou com a derrota da organização em seus dois principais redutos. No Iraque, o exército iraquiano retomou todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela facão extremista na Síria.

De acordo com relatório divulgado em agosto de 2023 pela ONU (Organização das Nações Unidas), o EI “continua a comandar entre cinco mil e sete mil membros em todo o Iraque e na República Árabe da Síria, a maioria dos quais combatentes.” No entanto, “adotou deliberadamente uma estratégia para reduzir os ataques, a fim de facilitar o recrutamento e a reorganização.”

Atualmente, a maioria dos líderes do EI permanece no noroeste da Síria, mas “o grupo realocou algumas figuras-chave para outros lugares.” Um continente de forte presença da organização é a África, com afiliados locais representando uma ameaça constante aos governos da região.

Um desses afiliados é o Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), que ampliou sua área de atuação, com aumento de ataques no Mali e, em menor escala, em Burkina Faso e no Níger. Recentemente, tem feito esforços para estabelecer “um corredor para a Nigéria para fins logísticos, de abastecimento e recrutamento, possivelmente em colaboração com o ISWAP” (Estado Islâmico da África Ocidental).

A avaliação da equipe de monitoramento da ONU, entregue ao Conselho de Segurança no final de julho, surge em meio a mais um momento crucial da luta contra o terrorismo. Desde fevereiro de 2022, o EI sofreu diversos duros golpes, com três líderes da organização mortos em operações de combate ao terrorismo.

O mais recente deles foi Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, morto em abril. O governo turco reivindicou a ação, embora a própria organização terrorista alegue que o comandante morreu em confronto com o Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), uma organização extremista associada à Al-Qaeda e listada pelo governo norte-americano como terrorista.

“Apesar do progresso feito no direcionamento de suas operações financeiras e quadros de liderança, a ameaça representada pelo Daesh (sigla árabe para se referir ao grupo) e suas afiliadas regionais permaneceu alta e dinâmica nas amplas áreas geográficas onde está presente”, diz a ONU, citando a África como uma região de particular preocupação.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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