Nos protestos contra as restrições impostas para controlar a disseminação da Covid-19 em Berlim, no dia 29 de agosto, cartazes e bandeiras com a letra “Q” fizeram coro a uma tendência que se espalha pelo país.
Elas fazem referência à teoria conspiratória QAnon, que avança e já encontra apoio cada vez mais expressivo nas alas ultrarradicais da extrema direita na Alemanha.
Especialistas estimam que o autodenominado “Movimento Q” já reúna mais de 200 mil seguidores na Alemanha, de acordo com o jornal norte-americano “The New York Times”.
Concentrados na internet, os apoiadores propagam a teoria da conspiração que iniciou no fórum anônimo 4Chan, em 2017. O movimento ganhou força durante a pandemia, quando começou a surgir em blogs de extrema direita da França, Alemanha, Reino Unido e Itália.
Com nenhuma evidência, o boato afirma que há uma “ordem global” para dominar o mundo – e o presidente Donald Trump e líderes de direita seriam os responsáveis por “destruir” essa “elite mundial”.
A teoria ainda envolve figuras públicas, como o bilionário George Soros, Hillary Clinton e Barack Obama e outros democratas. Eles seriam os líderes de uma “rede de pedofilia global” financiada no porão de uma pizzaria em Washington. Sequer existe um porão no local mencionado.
Delírio coletivo e surpresa
Agora os especialistas alemães tentam entender como a teoria pode estar surtindo tanto efeito no país. “Há uma sobreposição muito grande. Os influenciadores e grupos de extrema direita foram os primeiros a empurrar agressivamente o QAnon”, disse o o cientista de dados Josef Holnburger.
Entre os influenciadores estão empresários, ex-oficiais do governo e celebridades como o ex-juiz do programa de novos cantores alemão, Xavier Naidoo.
No Youtube, Naidoo falou que se juntou ao QAnon para libertar crianças de “prisões subterrâneas”. O influenciador de extrema direita, Oliver Janich, multiplicou a mensagem em seus canais.
Outro exemplo é o chef de cozinha Átila Hildmann, que se tornou um dos principais amplificadores da conspiração no Telegram, onde já acumula 80 mil seguidores.
Contrário à chanceler Angela Merkel, ele diz “não reconhecer” a ordem democrática do pós-guerra na Alemanha. O próximo passo é uma guerra civil, afirmou.
“O QAnon não exibe abertamente as cores do fascismo, mas o vende como um código secreto”, analisou o chefe de inteligência doméstica do estado alemão de Turíngia, Stephan Kramer. “Isso dá ao país um ponto de acesso à sociedade alemã mais ampla, onde todos se consideram imunes ao nazismo por causa da história”.
“Fiquei surpresa que a QAnon esteja ganhando impulso na Alemanha”, lamentou o parlamentar do partido de Merkel, Patric Sensburg. “Parecia uma coisa americana, mas está caindo em terreno fértil“.
Punição
Com marcas profundas após o Holocausto, a Alemanha pune quem promover a propaganda nazista ou incitar ódio com até cinco anos de prisão. A pena se estende para comentários online.
Ainda assim, teorias da conspiração não são ilegais – a menos que direcionem para o discurso de ódio e conteúdo extremista, um termo vago que dificulta a penalização para quem dissemina a QAnon na Alemanha.
Questionado, o serviço federal de inteligência alemão afirmou que as teorias podem se tornar perigosas quando há propagação de violência antissemita ou contra funcionários públicos.