O governo dos EUA, através de seu Departamento de Justiça, apresentou acusação formal contra dois cidadãos chineses por terem supostamente interferido em duas investigações envolvendo a Huawei. Eles teriam tentado obter, através de suborno em bitcoins, informações sigilosas sobre testemunhas e provas, segundo o jornal The Washington Post.
Os dois acusados foram identificados como Guochun He e Zheng Wang, que teriam tentado subornar um cidadão norte-americano sem saber que antes ele havia sido alertado pelo FBI, a polícia federal dos EUA. Então, o homem passou a atuar como um agente duplo a fim de flagrar o crime, tendo entregue aos dois chineses informações de domínio público como se fossem as confidenciais.
A questão está relacionada a duas investigações que correm desde 2019 e 2020 contra a Huawei e alguns de seus executivos. Suspeita-se que os dois acusados tenham atuado a serviço do governo da China, que não tem poupado esforços para que a gigante da tecnologia vença os casos.
O processo contra os dois espiões corre sob sigilo, e apenas informações parciais foram reveladas. O nome da Huawei, por exemplo, não consta nos dados fornecidos pelo governo norte-americano. Porém, fontes com conhecimento do episódio confirmaram que de fato se trata da gigante da tecnologia.
Mais 11 indiciados
De acordo com o jornal The New York Times, Washington está investigando também outros 11 cidadãos chineses em mais dois casos diversos, sem qualquer relação com o da Huawei. No total, portanto, são 13 indivíduos na mira da Justiça, sendo que dois estão atualmente sob custódia.
O procurador-geral dos EUA, Merrick B. Garland, e o diretor do FBI, Christopher Wray, concederam uma coletiva de imprensa na segunda-feira (24) para falar sobre os casos e destacaram o aumento da pressão de Washington sobre Beijing.
Eles acusam o governo da China de coordenar uma grande operação de inteligência no intuito de roubar tecnologia de empresas norte-americanas e intimidar cidadãos chineses que vivem nos EUA.
“O governo da China procurou interferir nos direitos e liberdades dos indivíduos nos Estados Unidos e minar nosso sistema judicial que protege esses direitos”, disse Garland. “Continuaremos a proteger ferozmente os direitos garantidos a todos em nosso país”.
Por que isso importa?
A Huawei enfrenta crescente desconfiança global na construção de redes 5G, com sua presença rejeitada em vários países. Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, baniram a infraestrutura da fabricante por medo de que a China possa usá-la para espionagem.
A desconfiança é baseada na suposta proximidade da companhia com o governo chinês. Autoridades ocidentais citam a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, segundo a qual as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçar a gigante da telefonia a trabalhar a serviço do Partido Comunista Chinês (PCC).
Um caso em particular se enquadra nesse cenário. Em janeiro de 2017, a União Africana descobriu que os servidores de sua sede, na capital etíope Adis Abeba, enviavam diariamente, durante a madrugada, dados sigilosos a um servidor na China e que o prédio estava repleto de microfones escondidos. Os servidores foram trocados, mas um problema semelhante se repetiu em 2020, quando os novos servidores foram invadidos por hackers chineses que roubaram vídeos de vigilância das áreas interna e externa.
Não por coincidência, o prédio havia sido construído com financiamento chinês, por uma construtora chinesa. E os servidores originais, aqueles de 2017, eram chineses. Esse episódio, com o qual Beijing nega ter relação, explica a desconfiança generalizada com a infraestrutura digital proveniente da China.
No Brasil, o aumento da presença da Huawei na rede de telefonia vai na contramão da tendência global. São da empresa chinesa mais de 80% das antenas que retransmitem sinal das atuais redes 2G, 3G e 4G brasileiras. E, de acordo com conteúdo patrocinado publicado em portais como O Globo em maio de 2021, a companhia dizia ser responsável por mais de cem mil quilômetros de fibra óptica no país.
A alternativa encontrada pelo governo brasileiro para reduzir o impacto de eventuais brechas de segurança foi a criação de uma rede 5G governamental exclusiva, sem a presença de infraestrutura chinesa. “Hoje, a Huawei não está apta a participar da rede privativa, segundo o que foi colocado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e pela nossa portaria”, disse o ministro das Comunicações, Fábio Faria, no início de novembro, quando foi realizado o leilão das bandas de 5G.