Família de ativista que fugiu para o Canadá enfrenta interrogatório em Hong Kong

Desde julho, pelo menos 42 familiares e associados de exilados foram detidos no território chinês, uma forma de pressionar quem fugiu

Nesta sexta-feira (29), a polícia de Hong Kong emitiu um mandado de prisão para a ativista pró-democracia Agnes Chow, alegando que ela quebrou os termos da liberdade condicional sob fiança. Além disso, agentes interrogaram os pais da dissidente, que fugiu para o Canadá recentemente, onde obteve o direito de estudar. As informações são do site Hong Kong Free Press.

A mãe de Agnes foi convocada para ajudar na investigação policial como fiadora da fiança de sua filha, segundo relatos de fontes à mídia local. Ambos os pais da ativista compareceram à delegacia de polícia do distrito de Tai Po na manhã desta sexta (horário local).

Agnes, de 27 anos, foi presa e julgada pelo governo honconguês com base na lei de segurança nacional, imposta pela China em 2020 como resposta aos protestos pró-democracia no território. Mesmo condenada, foi solta sob fiança em 2021, após cumprir dez meses de prisão. E recentemente recebeu autorização para estudar em Toronto.

Agnes Chow, ativista pró-democracia de Hong Kong (Foto: Studio Incendo/WikiCommons)

“Depois de considerar cuidadosamente, inclusive a situação em Hong Kong, a minha própria segurança, a minha saúde física e mental, decidi não retornar. E provavelmente nunca mais retornarei pelo resto da minha vida”, disse ela através de sua conta na rede social Instagram no dia 3 de dezembro.

Na quinta-feira (28), a polícia confirmou que Agnes não se apresentou às autoridades no prazo, condenando o ato de fuga como uma tentativa de “evitar responsabilidades legais”. Segundo John Lee, chefe do Executivo local, a polícia de segurança nacional reiteraram a promessa de perseguir os fugitivos “pelo resto de suas vidas”.

Agnes tornou-se uma figura proeminente nos protestos que eclodiram em Hong Kong em 2014, conhecidos como a “Revolução dos Guarda-Chuvas“. Ela foi uma das líderes estudantis envolvidas nas manifestações e desempenhou um papel ativo na organização Scholarism, um grupo estudantil pró-democracia. Ela chegou a ser detida por sete meses devido ao seu envolvimento em um protesto ocorrido em julho de 2019 nas proximidades da sede da polícia em Wan Chai.

Em dezembro, Agnes anunciou que recebeu permissão para deixar Hong Kong e iniciar um programa de mestrado no Canadá, sujeita a condições como escrever uma carta de arrependimento e realizar uma viagem “patriótica” a Shenzhen, na China. A polícia não confirmou oficialmente os detalhes das condições de sua fiança.

Agnes se juntou a ativistas pró-democracia no exterior em autoexílio, incluindo Nathan Law, ex-legislador que atualmente vive no Reino Unido. Ambos co-fundaram em 2016 o partido político Demosisto, que acabou dissolvido.

Desde julho, pelo menos 42 familiares e associados de exilados de Hong Kong foram detidos ou presos no território semiautônomo.

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa de 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente chinês Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada.”

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