ARTIGO: Moçambique prova importância comunitária contra pandemias

Experiência moçambicana comprova como a responsabilidade compartilhada auxilia crises, dizem líderes da ONU

Artigo publicado originalmente no portal da ONU News

*por Myrta Kaulard e Eva Kiwango, coordenadora humanitária da ONU (Organização das Nações Unidas) e diretora da ONU AIDS, respectivamente, em Moçambique

Todos os anos, em 1º de Dezembro, o mundo comemora o Dia Mundial de Luta contra a AIDS. Pessoas de todo o mundo unem-se para mostrar apoio às pessoas vivendo com HIV e para recordar aqueles que perderam as suas vidas devido à AIDS.

Em 2020, a atenção do mundo tem sido centrada pela pandemia da Covid-19 na saúde e na forma como as pandemias afetam vidas e meios de subsistência.

A Covid-19 mostra, mais uma vez, como a saúde está interligada com outras questões críticas, tais como a redução da desigualdade, dos direitos humanos, da igualdade de gênero, da proteção social e do crescimento econômico. Este ano, o tema do Dia Mundial da Luta conta a AIDS é “Solidariedade global, responsabilidade compartilhada”.

ARTIGO: Moçambique prova a importância comunitária no combate a pandemias
Paciente recebe medicação retroviral em posto de saúde da ONU em Botsuana, sem data mencionada (Foto: UNAIDS)

Mortes

Quando a Covid-19 atingiu pela primeira vez as costas africanas, houve preocupações reais de que mais de 500 mil pessoas pudessem morrer de causas relacionadas à AIDS na África Subsaariana entre 2020 e 2021.

Medidas inovadoras do continente, respostas comunitárias e adesão às directrizes da Organização Mundial de Saúde para manter os serviços essenciais no meio da pandemia, entre outros, mitigaram esse impacto.

Contudo, os serviços de HIV foram perturbados e há indícios de que as restrições relacionadas à Covid-19 estão a ter um impacto desproporcionado nas nossas comunidades mais vulneráveis no âmbito mundial.

O relatório da ONU AIDS – “Relatório do Dia Mundial da AIDS, Predominando Contra as Pandemias, Colocando as Pessoas no Centro” – nota quase nenhum declínio no número de pessoas vivendo com HIV que recebem terapia antirretroviral em 25 países, revisto desde abril de 2020, quando foram implementados “lockdowns” em todo o mundo.

Tratamento

Alguns países africanos como a Botsuana até expandiram a cobertura de tratamento. Ainda assim, a cobertura de tratamento caiu noutros países como na Serra Leoa e na África do Sul, enquanto que se verificou uma queda geral na despistagem do HIV em toda a região. A pandemia está assim a minar os esforços para diagnosticar novas infecções pelo HIV e iniciar o tratamento de pessoas recém-diagnosticadas.

Isto também se aplica aos testes e tratamentos para mulheres grávidas. O Lesoto e a Uganda estão entre os países que se recuperaram rapidamente, mas a Etiópia, o Quênia e a África do Sul – onde se verificaram confinamentos contínuos – registaram interrupções contínuas.

No âmbito mundial, o progresso no sentido dos objectivos de ensaio e tratamento 90-90-90 até 2020 tem sido um ponto relativamente brilhante. No final do ano passado, 81% das pessoas que viviam com o HIV conheciam o seu estado de seropositividade; entre essas pessoas, 82% estavam em tratamento – mais de 25 milhões de pessoas – e 88% das pessoas em tratamento tinham atingido a supressão viral.

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Aula sobre o contágio de HIV na região de Darfur no Sudão (Foto: UN Photo)

Em Moçambique, 77% das pessoas vivendo com HIV conheciam o seu estado de seropositividade; entre essas pessoas, 60% estavam em tratamento – mais de 1,2 milhões de pessoas – e 45% das pessoas em tratamento tinham alcançado a supressão viral.

As mortes relacionadas à AIDS diminuíram em 20% entre 2010 e 2019. As novas infecções por HIV entre adultos caíram apenas 9% entre 2010 e 2019 e permanecem persistentemente elevadas, com 130 mil novas infeccções em 2019.

Bom caminho

O desafio da Covid-19 não precisa fazer descarrilar os nossos esforços. Podemos voltar ao bom caminho, utilizando as lições aprendidas com a resposta à AIDS.

O governo e os seus parceiros se mobilizaram para defender o nosso progresso, para proteger pessoas que vivem com o HIV e outros grupos vulneráveis e para barrar a pandemia do novo coronavírus.

Isso inclui a eficácia das respostas centradas nas pessoas que começam por adaptar os serviços para chegar aqueles que mais precisam deles. Significa uma abordagem holística para enfrentar os desafios mais vastos enfrentados pelas pessoas que vivem com o HIV, bem como pelas pessoas em alto risco de infecção pelo HIV.

Quando as comunidades lideram a concepção e prestação de tais serviços, minimizamos os obstáculos ao sucesso. Tais respostas também ajudam a abordar as desigualdades de género e outros factores societais e estruturais que afectam a vulnerabilidade ao HIV.

Investimentos

Mas mesmo tendo a Covid-19 interrompido os serviços relacionados ao HIV, a pandemia sublinhou a natureza transformadora dos investimentos em HIV e o papel essencial que as comunidades desempenham na resposta às pandemias.

A pandemia demonstrou que ninguém está seguro até que todos estejam seguros. Deixar as pessoas para trás não é uma opção se quisermos ser bem-sucedidos.

Eliminar o estigma e a discriminação, colocar as pessoas no centro e fundamentar as nossas respostas nos direitos humanos e nas abordagens que respondem às questões de gênero são essenciais para acabar com a colisão de pandemias entre HIV e a Covid-19.

Há muitas lições que aprendemos da nossa resposta ao HIV que podem ser usadas na nossa luta contra a Covid-19, a começar por garantir que colocamos as respostas da comunidade em primeiro lugar quando construímos novamente e melhor.

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