A desconfiança entre EUA e Índia, ancorada durante a Guerra Fria, não se prolongou nas últimas décadas. Pelo contrário, moldou-se a novas possibilidades econômicas e de segurança.
Os países fortaleceram os laços bilaterais sobretudo a partir do governo de Barack Obama (2009-2017), apesar do histórico conturbado nas disputas que já envolveram ameaças nucleares, sanções e ataques terroristas.
Hoje, as duas potências tem boa interlocução, mas nem sempre foi assim. Confira como os dois governos forjaram um maior canal de cooperação a partir do levantamento histórico do think tank norte-americano Council of Foreign Relations.
A independência
O primeiro encontro entre Washington e Nova Délhi acontece em 13 de outubro de 1949, dois anos após o fim do domínio colonial britânico sobre a Índia. À época, o país ainda estava imerso em confrontos violentos entre hindus, sikhs e muçulmanos, maiorias religiosas que fomentaram a divisão do território indiano com o Paquistão.
O então primeiro-ministro Jawaharlal Nehru viaja aos EUA para uma excursão de várias semanas, com o objetivo de anunciar a neutralidade da Índia na Guerra Fria. Pouco depois, o país recém-formado assume papel relevante no Movimento dos Não-Alinhados, que começa a tomar forma na Conferência de Bandung, em 1955.
O tom passa a ser de distanciamento e desconfiança: ao não se posicionar, Nova Délhi abria possibilidade de estabelecer relações com Moscou. O próximo encontro entre os países só ocorre dez anos depois, em 1959, quando o então presidente norte-americano Dwight Eisenhower torna-se o primeiro a visitar a nação asiática.
A reunião antecipa uma tímida contribuição norte-americana, com o apoio de universidades e do USAID (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional), aos primeiros institutos indianos de tecnologia. A medida abria caminho para o desenvolvimento de programas acadêmicos ao longo da década seguinte – um dos primeiros exemplos de colaboração mútua.
Início dos conflitos
A disputa entre Índia e China pela fronteira do Himalaia, em outubro de 1962, faz com que Nehru peça a ajuda do presidente John F. Kennedy. A resposta de Washington é imediata: o país reconhece a linha McMahon como fronteira e fornece assistência aérea e armas.
Já os confrontos entre a Índia e o Paquistão, a partir de 1965, porém, passam a dar outra forma ao relacionamento. Os EUA se alinham ao Paquistão depois de desempenhar papel mediador na reaproximação de Richard Nixon com a China. Pouco depois, Nova Délhi assina um Tratado de Amizade e Cooperação de 20 anos com a União Soviética.
Estava desmanchada a parceria com os EUA, assim como a posição de Não-Alinhamento promulgada na década anterior. A mudança coincide com a conclusão do primeiro teste nuclear indiano, em maio de 1974, durante o governo de Indira Gandhi (1966-1977 e 1980-1984).
A expansão armamentista transforma a Índia na primeira nação a declarar capacidade nuclear fora dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).
Washington viabiliza a Lei de Não-Proliferação Nuclear, em 1978, e exige que países não inclusos no Tratado, como a Índia, permitam a inspeção de todas as instalações nucleares pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). Nova Délhi recusa e os EUA encerram toda a assistência nuclear ao país. Esse distanciamento perdura por mais de duas décadas.
Tentativa de reconciliação
Uma breve expectativa de conciliação ocorre em julho de 1982, quando Indira Gandhi viaja a Washington para se encontrar com o presidente Ronald Reagan. “Devemos encontrar uma área comum, por menor que seja”, disse ela, em discurso na Casa Branca.
Os líderes concordaram em aumentar a cooperação mas apenas em julho de 1991, porém, que as reformas econômicas do primeiro-ministro Narasimha Rao ajudam a expandir os laços econômicos com os EUA.
Um pacote de leis possibilita abertura do comércio e investimento internacional, desregulamentação, inicio da privatização, reformas fiscais e medidas de controle da inflação. Sete anos depois, contudo, o anúncio da conclusão de testes nucleares na fronteira com o Paquistão aceleram desentendimentos entre Nova Délhi e Washington.
O então presidente norte-americano Bill Clinton (1993-2001) chama de volta o embaixador dos EUA na Índia e impõe novas sanções econômicas a fim de paralisar uma corrida armamentista nuclear. É Clinton, porém, que força o premiê paquistanês, Nawaz Sharif, a retirar as tropas da Caxemira, disputada pelos dois países, em março de 1999.
Um ano depois, o presidente norte-americano faz a primeira viagem à Índia desde 1978. O encontro encerra o afastamento entre os dois países em meio a um forte crescimento da economia indiana após as reformas de modernização. Em setembro de 2001, George W. Bush suspende todas as sanções que restavam à Índia desde 1998.
Diálogo estabelecido
Diálogos sobre segurança energética levam à assinatura de uma nova estrutura de defesa entre as duas nações, em 2005. O ano foi importante: em julho, os dois países assinam a Iniciativa de Cooperação Nuclear Civil, que levanta uma moratória de três décadas dos EUA no comércio de energia nuclear com a Índia. O tratado inclui os asiáticos no Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
Em 2007, chegam os primeiros carregamentos de mangas indianas aos EUA, ato simbólico que encerra a proibição de 18 anos sobre a importação da fruta. O comércio bilateral de bens e serviços alcança US$ 45 bilhões. Em 2010, o valor ultrapassou os US$ 70 bilhões.
Dez anos depois, em junho de 2016, o então presidente Barack Obama reconhece a Índia como o principal parceiro de defesa dos norte-americanos. A designação faz com que a Índia tenha benefícios, como acesso à tecnologia de defesa, embora a aliança não seja formal.
Passos recentes
Os laços só se fortalecem após a eleição de Donald Trump, em 2017. Um encontro em 2018 concede ao governo em Nova Délhi acesso a tecnologia de comunicação avançada, negociada havia uma década.
O republicano, porém, encerra o status de comércio especial da Índia em 2019. A medida remetia à década de 1970 e permitia que produtos de países em desenvolvimento entrassem no mercado dos EUA com isenções de impostos.
Trump afirma que a Índia não oferecia “acesso equitativo” ao próprio mercado, o que fez com que Nova Délhi reduzisse as tarifas de 28 produtos norte-americanos. A aproximação ideológica de Donald Trump e Narendra Modi mantém as relações firmes e, em visita à Índia, o então presidente dos EUA foi recebido por 100 mil pessoas.
Sem a reeleição de Trump, porém, Modi teve de se reposicionar diante da comunidade internacional, embora a presença da Índia esteja em pleno avanço nos EUA: quase um quinto dos estudantes estrangeiros no país tem origem indiana. A maioria dos profissionais altamente qualificados aprovados no vistos especiais também têm origem na nação asiática.
Em 2019, o comércio bilateral entre os dois países chegou a US$ 88 bilhões, com um superávit de US$ 17 bilhões em favor do governo indiano.