Ocidente busca maior engajamento com Taleban, mas normalização das relações não avança

A possibilidade de reconhecimento e relações persiste, desde que o grupo islâmico radical concorde em seguir as normas internacionais de governança

O Taleban inicia o novo ano mantendo sua posição fortalecida, algo sedimentado desde a esmagadora vitória militar que o conduziu ao poder em Cabul em 2021. Sinalizando uma resistência imutável e alheio aos esforços internacionais para moderar seu comportamento, o grupo ainda está longe da legitimidade desejada, e segue norteado por um conjunto de princípios islâmicos que prevê açoitamentos, apedrejamentos e execuções públicas. As informações são da rede Radio Free Europe.

A crise humanitária em expansão no Afeganistão e o potencial do grupo extremista em combater o terrorismo regional e controlar o tráfico de drogas levaram a uma retomada cautelosa do engajamento do Ocidente com os insurgentes. A ideia de reconhecimento e normalização das relações permanece viva, contanto que o grupo islâmico radical esteja disposto a seguir as normas internacionais de governança, que abrangem questões como direitos humanos, direito internacional e igualdade de direitos para mulheres – todas absolutamente descumpridas, em particular no que diz respeito ao sexo feminino.

Os esforços iniciais para construir relações com o grupo extremista desmoronaram poucas semanas após o grupo assumir o poder em agosto de 2021, quando descumpriu suas promessas ao proibir a educação secundária para meninas. Esse movimento levou a comunidade internacional, especialmente os Estados Unidos, a interromper as discussões em curso, conforme apontado por Ashley Jackson, co-diretora do Center on Armed Groups (Centro sobre Grupos Armados) sediado na Suíça.

Membro do Taleban fotografado nas ruas de Cabul em 2022 (Foto: WikiCommons)

De acordo com Ashley, a ideia inicial era que, ao interromper o engajamento e cessar todos os processos e incentivos oferecidos ao Taleban por bom comportamento, o grupo perceberia o erro e mudaria de rumo. Entretanto, isso nunca ocorreu, e agora os EUA e outros reconhecem isso.

Atualmente, o governo talibã permanece sem reconhecimento e isolado, sem assento na ONU (Organização das Nações Unidas) e com apenas alguns poucos escritórios diplomáticos ao redor do mundo. Ashley observa que houve recentemente uma “correção de curso muito sutil e leve” na abordagem da comunidade internacional em relação à organização jihadista.

Em 2023, houve exemplos de discussões entre autoridades dos EUA e representantes do Taleban sobre questões críticas, como a deterioração dos direitos humanos no Afeganistão, especialmente o tratamento de mulheres e meninas. Temas abordados incluíram cooperação na entrega de ajuda humanitária, a situação econômica afegã, o papel dos insurgentes no controle do cultivo de papoula e na negativa de refúgio a grupos extremistas.

A comunidade internacional não pressiona o Taleban para reverter suas políticas rígidas, e o reconhecimento total parece distante. Embora haja mensagens conflitantes sobre relações normalizadas, a recente renovação das sanções pela ONU e a ênfase na não aceitação do grupo no poder até mudanças em suas práticas destacam a postura cautelosa. Enquanto isso, o líder talibã, Hibatullah Akhundzada, reitera a demanda por não interferência externa e destaca a intenção de realizar reformas através da implementação da Sharia, a lei islâmica.

Desde a tomada de poder pelo movimento fundamentalista, o povo afegão foi jogado à pobreza e hoje enfrenta uma batalha contra a insegurança alimentar. A distribuição de alimentos por meio de ajuda humanitária tem enfrentado imensa dificuldade desde que um decreto do Taleban em dezembro passado proibiu o trabalho de mulheres afegãs em ONGs, levando muitas agências a suspenderem as atividades por falta de mão de obra.

A ONU avaliou maneiras de abordar de forma coerente a situação no Afeganistão governado pelo Taleban. Alguns países, como Rússia, China, Irã, Turquia, Japão e a União Europeia (UE), mantiveram presença física no país, trabalhando em conjunto com órgãos da ONU e grupos de ajuda para lidar com a devastadora crise humanitária, a maior do mundo.

Sem pressa

Nader Nadery, do think tank Wilson Center em Washington e da Hoover Institution de Stanford, afirmou à reportagem que a comunidade internacional não está com pressa de mudar de posição. Ele enfatizou que a recusa global em reconhecer os Taleban persistirá até que o grupo mude seu tratamento às mulheres e seu modelo de governança excludente.

Não está claro como a comunidade internacional planeja equilibrar seu envolvimento para pressionar os Taleban a mudarem de atitude. Uma avaliação independente encomendada pela ONU este ano sobre a abordagem internacional ao Afeganistão sob controle talibã revelou algumas questões em uma cópia preliminar do documento, divulgada em novembro.

O documento afirmava que qualquer reintegração formal do Afeganistão nas instituições globais exigirá a participação e liderança das mulheres, destacando que a situação delas no país foi a questão mais discutida durante as consultas com os afegãos.

Mulheres ativistas estão desaparecendo no Afeganistão (Foto: Twitter/Reprodução)
Isolamento

Desde que voltou ao poder, o grupo militante islâmico busca reconhecimento internacional como governo de fato do que chama de “Emirado Islâmico“.

Entretanto, as acusações de abusos dos direitos humanos e de repressão, sobretudo contra as mulheres, afastam cada vez mais o governo talibã da comunidade internacional. Tanto que, até agora, nenhuma nação reconheceu formalmente o Taleban como poder legítimo no país, apesar da aproximação com países como China e Paquistão.

Mais do que legitimar os talibãs internacionalmente, o reconhecimento é crucial para fortalecer financeiramente um país pobre e sem perspectivas imediatas de gerar riqueza.

A falta de progresso na resolução de questões de direitos humanos é um fator chave por trás do atual impasse entre o Afeganistão e a comunidade internacional, disse no último dia 20 a representante especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para o país, Roza Otunbayeva, num briefing ao Conselho de Segurança em Nova York. 

Otunbayeva, que também dirige a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (Unama), ainda sublinhou a necessidade de um maior envolvimento com as autoridades talibãs.

Ela disse ao Conselho que a situação dos direitos humanos no Afeganistão é caracterizada por discriminação sistêmica contra mulheres e meninas, repressão da dissidência política e da liberdade de expressão, falta de representação significativa das minorias e casos contínuos de execuções extrajudiciais, prisões e detenções arbitrárias, tortura e maus-tratos. 

“Aceitar e trabalhar para defender as normas e padrões internacionais, conforme estabelecidos nos Tratados da ONU que o Afeganistão ratificou, continuará a ser uma condição inegociável para um assento nas Nações Unidas”, disse ela 

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